Realpolitik: espera-se e precisa-se

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Uma das certezas da política externa norte-americana, a partir de 20 de Janeiro de 2025, é o regresso ao realismo, à Realpolitik, uma doutrina defendida, entre outros, por Hans Morgenthau, George F. Kennan e Henry Kissinger.  Porque a política externa tem dois fundamentos principais: a ideologia, que tem como prioridade a promoção ou o combate a uma concepção do mundo; e o realismo, que secundariza a ideologia e prioriza os interesses nacionais de um modo casuístico, pragmático.

Até ao fim da União Soviética e da Guerra Fria, a ideologia – o anti-comunismo – era a prioridade do chamado Ocidente, da Euro-América, reunida na NATO.  E para vencer esse inimigo principal, os Estados Unidos aliaram-se a regimes não-democráticos, como os regimes militares da Turquia ou da América do Sul ou as monarquias absolutas do Médio-Oriente.  E até com a China, quando a China se quis libertar da tutela russa e Nixon e Kissinger foram a Pequim.  

Com o fim da ameaça soviética, os neoconservadores quiseram impôr o modelo democrático americano no Médio-Oriente, aproveitando a reacção ao 11 de Setembro.  Correu mal, muito mal, do Iraque ao Afeganistão.

A equipa Trump – que, a avaliar por alguns dos nossos comentadores, só tem incompetentes, delinquentes, oportunistas e vira-casacas – não parece navegar nestas águas ideológicas, semeadoras de guerras e instabilidade. Entre estas nomeações “polémicas” está Tulsi Gabbard, Directora Nacional de Inteligência, com a coordenação e controle das 18 agências de informação norte-americanas – da CIA à DIA.  

Gabbard, de 44 anos, é tenente-coronel e foi membro da Câmara dos Representantes pelo Havai.  Na sua intervenção política, priorizou o terrorismo jihadista como inimigo principal dos Estados Unidos, opondo-se à política dos neo-conservadores de “mudança de regime” no triângulo Iraque-Líbia-Síria, que levara Washington, com Obama, a ter por “aliados objectivos” na Síria os guerrilheiros ligados à Al Qaeda.  Os ataques a Obama fizeram dela a “bête noire” do establisment político e mediático, que logo a apelidou de “amiga de ditadores”.  Ora Gabbard limitara-se a dizer e a defender que, sendo Assad um ditador e um ditador brutal, não era um inimigo ou uma ameaça para os Estados Unidos; e que derrubá-lo e manter a ordem na Síria custaria mais uma interminável ocupação.  

Também quanto à guerra da Ucrânia foi crítica da Administração democrata, alertando para a necessidade de se levarem em conta mais atenta e realisticamente as preocupações securitárias de Moscovo perante a perspectiva da NATO na fronteira. Foi imediatamente acusada de estar “a soldo de Moscovo” – ainda que William Burns, actual director da CIA, quando embaixador em Moscovo, tivesse expressado a mesmíssima preocupação e as mesmas reticências numa série de telegramas datados de fevereiro de 2008.  Também os realistas Kennan e Kissinger já tinham aconselhado Washington a ser prudente em relação à Rússia – que, em 1992, podia ter deixado de ser soviética e comunista, mas que continuava a ser uma potência na Eurásia, ciosa da sua segurança.

É este o realismo que se espera da nova Administração Trump, consumada a eleição popular. Dos que, pela desinformação, tentaram impedi-la, espera-se o irrealismo e o preconceito ideológico do costume. E, claro, o assassinato moral antecipado dos novos protagonistas da política externa norte-americana, na senda do jornalismo de excelência e da informação de referência com que acompanharam as eleições.

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