Quem tem medo de eleições?
As constantes, sistemáticas e dramáticas referências a uma eventual crise política e, consequentemente, à convocação de eleições, sempre que a discussão do Orçamento do Estado chega a um impasse - ou, pelo menos, há uma encenação de impasse, que se destina apenas a esticar ao máximo a corda, de forma a que quem tem menos votos possa condicionar o mais possível quem tem mais votos, maior representatividade e responsabilidade - em nome de uma "estabilidade" obviamente desejável, mas não necessariamente útil, encerram em si um anátema sobre a sociedade, os cidadãos e os eleitores.
Se há crise política, se há falta de entendimento, se não há maioria parlamentar que suporte um governo, mandam as regras do regime que se vá para eleições.
E essa escolha, ou inevitabilidade, ou "último recurso" não deve ser encarado como uma tragédia, um desastre nacional ou um trauma. As eleições são o momento em que que se devolve aos cidadãos o poder de escolha, de decisão, de opção por diferentes caminhos, alternativas e programas. É a altura em que a sociedade é chamada a pronunciar-se sobre quem deve governar e quem fica a fazer oposição. Nada mais claro, mais transparente, mais democrático, mais republicano e mais livre.
"Ameaçar" com a convocação de eleições antecipadas faz parecer que votar é mau, que clarificar escolhas é errado, que reforçar - ou corrigir - os destinos da nação é um castigo ao eleitorado. Não é.
Por isso, quem tem medo de eleições? Recordo que, há dois anos, analistas, comentadores e estudiosos do fenómeno político previram, sem exceção, que o atual governo só governaria até este Orçamento. Pelo meio, ano e meio de pandemia suspendeu, por razões óbvias, a política. E a oposição. Agora, com as autárquicas e o regresso da política, o tema volta para cima da mesa, à boleia da discussão do OE e das disputas de liderança nos partidos à direita.
A estabilidade não pode, nem deve, ser conseguida a qualquer preço. Muitas vezes, a fatura a pagar por uma estabilidade artificial é bem maior do que o "custo" imediato de uma rutura ou de "seis meses" de incerteza, entre convocar eleições e haver um novo - ou renovado - governo.
Se devemos ter governos de seis em seis meses, como no PREC, ou eleições de ano a ano? Não. Isso seria instabilidade permanente. Mas se devemos ter eleições quando existe uma paz podre ou quando se percebe que o governo está débil e a sociedade com vontade de mudança? Acho que sim.
Sampaio dissolveu uma assembleia que sustentava um governo, porque entendeu que os sinais que chegavam da sociedade eram suficientes para exigir uma clarificação. Cavaco aceitou a demissão de um primeiro ministro que viu chumbado o famoso PEC4, que não era um Orçamento do Estado mas (mais um) instrumento de austeridade, numa altura em que caminhávamos alegremente para a bancarrota.
Pior do que não ter Orçamento e, portanto, haver eleições, é ter um Orçamento refém de minorias, onde a relação de quem exige e de quem cede é inversamente proporcional aos votos - isso, aos votos - que os editores realmente confiaram a cada uma dessas forças políticas.
Em democracia, não há que temer o voto do "povo".
Jornalista