Quem pode pagar 500 euros por um quarto?

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A pergunta foi feita pelo octogenário António Lemos, antigo assistente de cozinha, entrevistado pela France 24 há cerca de duas semanas. Foi despejado da sua casa quando investidores estrangeiros compraram o prédio onde habitava, e agora tem ocupado uma casa abandonada no centro da capital. Ontem, 65 casas ilegais foram demolidas em Loures, no bairro do Talude Militar, onde a PSP teve de marcar pre- sença para evitar confrontos. O cenário repetir-se-á, em breve, na Amadora, onde pelo menos 16 habita- ções deverão ser demolidas em breve – é o que consta nos editais afixados nos últimos dias.

É certo que as casas são ilegais. É certo que as construções destas casas nem sequer obedecem às mais regras mais básicas de segurança e, muitas de- las, não têm condições de água e saneamento que nos não envergonhem.

Mas o que também é certo é que a crise da habita- ção, em Portugal, nunca atingiu esta proporção ab- solutamente trágica: dados do Eurostat mostram que os preços da habitação dispararam mais de 120% entre 2015 e 2025, muito acima dos 53% de aumento médio na UE – e não, os salários não acompanharam. Aliás, os dados mais recentes do INE mostram que, em 2023, a habitação já repre- sentava um peso 39,3% no orçamento familiar dos portugueses. Um valor que até já deverá saer supe- rior, tendo em conta os aumentos constantes dos preços nos últimos dois anos.

Num país onde a habitação pública representa apenas 2% da oferta disponível, e em que grande parte das casas, sobretudo nas grandes cidades, foi convertida em Alojamento Local, o drama é real e o Governo continua a apresentar medidas tímidas para enfrentar aquilo que já é uma das mais indig- nas crises do país. Se nos falha a Habitação, a Saúde e a Educação, não é preciso pensar muito para sa- bermos o que falhará de seguida, até porque Sérgio Godinho imortalizou o refrão na sua canção de 1974: primeiro, o Pão e depois a Paz. Que, em lin- guagem democrática, significa algo ainda mais gra- ve, também devidamente identificado naquela que continua a ser uma das vozes mais revolucionárias da nossa música: “Só há liberdade a sério quando houver / a paz, o pão / habitação /saúde, educa- ção”. Se nós todos conseguimos ver o que nos espe- ra, resta saber porque não o conseguem os nossos governantes.

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