Quem pode confiar nos EUA?

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No mundo contemporâneo há uma transformação que muda o jogo político a que nos tínhamos habituado desde o fim da Guerra Fria: a incoerência na política externa dos Estados Unidos da América representada agora pelo regresso ao poder, segunda-feira, de Donald Trump.

A incoerência norte-americana explica-se por si: em 2017, quando Trump tomou posse pela primeira vez, os Estados Unidos abandonaram o que antes tinham acordado (e até liderado) sobre questões climáticas, nomeadamente o Acordo de Paris. Voltaram em força os combustíveis fósseis, o petróleo e o gás. Numa era que os norte-americanos ditaram ser de comércio livre, foram eles que subiram as taxas alfandegárias às importações.

Joe Biden, quando tomou posse, em 2021, da presidência do país, mudou novamente estas políticas, que, a partir de segunda-feira, serão outra vez alteradas, até porque Trump já anunciou que, para alimentar os servidores de Inteligência Artificial, precisa de duplicar a produção energética do país (drill baby, drill, apelou ele na conferência de imprensa de 7 de janeiro) e, por outro lado, é com impostos alfandegários que vai fazer a sua guerra comercial ao resto do mundo.

No primeiro mandato de Trump, o seu país ameaçou sair da ONU e da OMC. A Rússia era bem-vista. O levantamento do permanente cerco económico a Cuba decidido por Obama foi cancelado. Um encontro simpático com o ditador norte-coreano contrariou décadas de isolamento. O cancelamento do acordo sobre energia nuclear com o Irão, o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel e a retirada de tropas norte-americanas da Síria contrariaram as estratégias anteriores no Médio Oriente do autointitulado, depois dos atentados do 11 de Setembro, “polícia do mundo”.

Com Joe Biden houve uma saída caótica norte-americana do Afeganistão e a entrega do poder aos talibãs. A Rússia passou a inimiga. O perigo da guerra nuclear espreita a partir do conflito na Ucrânia e há tropas norte-coreanas em Kursk. O Hamas palestiniano matou dezenas de civis israelitas e Israel massacra dezenas de milhares de civis em Gaza. A Síria tem no poder antigos terroristas supostamente convertidos ao Ocidente. O perigo da III Guerra Mundial é mais do que evidente.

Com Trump, a partir de segunda-feira, Vladimir Putin volta a ser um político com quem se pode conversar, a NATO tem de passar a cobrar 5% ao Orçamento de cada país-membro, o Irão pode ser invadido se Israel avançar numa guerra, o Canadá, a Gronelândia e o Canal do Panamá e, talvez, o México, estão sob ameaça de passarem a ser ocupados pelos Estados Unidos.

A única política externa coerente que se manteve na última década norte-americana foi a da confrontação com a China, que irá continuar.

O ponto é este: o resto do mundo, goste mais ou menos de Trump, de Biden, ou de qualquer outro presidente norte-americano, sabe agora que o país mais poderoso de todos, aquele que procura dominar todo o planeta, deixou de dar confiança, deixou de dar garantias de manter acordos, alianças e conflitos instituídos no passado próximo. A cada quatro anos, depois de cada eleição, tudo pode ser revertido, anulado ou substancialmente alterado.

Com a sequência Obama, Trump, Biden e novamente Trump, as regras norte-americanas passaram a ser permanentemente voláteis e isso muda o jogo político mundial, seja para aliados, seja para inimigos.

Jornalista

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