Quem é contra o aumento do salário mínimo?

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A proposta do governo de aumentar o salário mínimo nacional (SMN) para 705 euros em 2022 representa o maior crescimento absoluto de sempre deste referencial (+40 euros, +6,0%). É importante contextualizar a discussão presente, num momento de recuperação económica, nas opções passadas e nos seus resultados.

Há um ano, mesmo na pior fase da pandemia, o SMN aumentou para os atuais 665 euros - um crescimento de 30 euros ou 4,7%, em desaceleração apenas ligeira face ao do ano precedente, que havia ocorrido num quadro muito mais favorável.

No momento de particular dificuldade em que foi tomada, tal decisão foi criticada por muitos como sendo excessiva e, porventura, errada. Nada de surpreendente: afinal, o mesmo sucedera sempre em anos anteriores, em condições económicas bem distintas. Mas, especialmente em 2020, não desistir do aumento foi um sinal de confiança na estratégia seguida e de determinação em cumprir a meta de 750 euros em 2023.

Um ano depois, o combate à pandemia e os apoios às empresas e à manutenção de postos de trabalho permitiram a recuperação do emprego e do desemprego para os níveis pré-covid. E, uma vez mais, mesmo durante os anos difíceis de 2020 e 2021, o aumento do SMN não parece ter tido impactos negativos no emprego.

A este respeito, é importante recuar a 2015, ano de viragem na política salarial. Depois de anos de congelamento (entre 2011 e 2015, o SMN aumentou apenas 20 euros, em novembro de 2014, já a caminho das legislativas de 2015), a valorização previsível e faseada do SMN para atingir 600 euros em 2019 foi terreno fértil para a desconfiança, nacional e internacional, para a crítica e para o oportunismo político.

Aqueles que agora dizem, talvez por coincidência quando estamos de novo em tempos pré-eleitorais, que até defendem "aumentos significativos" do SMN, criticaram todos e cada um dos aumentos desde 2015; preanunciaram efeitos catastróficos sobre o emprego; e, ao mesmo tempo, não hesitaram em chumbar no parlamento medidas, aliás acordadas na concertação social, de mitigação de impactos sobre as empresas.

Porém, o caminho percorrido nos últimos anos fala por si. O ciclo de aumento mais longo e sustentado do SMN foi também, afinal, de recuperação do mercado de trabalho, mesmo com uma crise pandémica pelo meio.

Se aumentar para 705 euros, em 2022 o SMN terá crescido 200 euros (39,6%) desde 2015 - exatamente dez vezes mais do que no ciclo político anterior. É um crescimento de 2800 euros por ano nos rendimentos de cada trabalhador, que contribui para elevar a base salarial e diminuir desigualdades.

Mas, além das questões sociais, um crescimento sustentado e previsível do salário mínimo, que permita a adaptação das empresas, tem impacto económico relevante. Desde logo por via do reforço da procura interna - desvalorizada mas tão importante como fator de crescimento e estabilizador, como se vê em tempos de crise e instabilidade na procura externa e nas cadeias económicas internacionais.

Por tudo isto, as preocupações que têm vindo a lume sobre a distribuição salarial e a aproximação do salário mínimo ao mediano são legítimas. Mas não podemos tolerar cinismos e permitir que essa outra discussão sirva de biombo e manobra de diversão para aqueles que verdadeiramente, até ideologicamente, são contra o aumento do SMN mas não têm coragem de o dizer.

Se temos um problema de insuficiente progresso nos salários médio e mediano, precisamos de o resolver. Será essencial retomar na concertação a discussão em torno dos salários e rendimentos e ter mais ambição nas políticas públicas e nas estratégias empresariais de modo a criar condições para que o trabalho seja remunerado de modo mais justo, em particular nas gerações mais jovens e qualificadas.

Mas, no imediato, confrontados com a escolha entre aumentar ou não o SMN por causa da compressão dos leques salariais, não pode haver hesitações.

Um aumento do SMN com significado e robustez é não só justo mas necessário. Não apenas pelos quase 900 mil portugueses que hoje o recebem e pelas suas famílias, nem apenas por razões sociais, mas pelos impactos agregados sobre a economia, a resiliência e a coesão do país e da nossa sociedade.

Secretário de Estado adjunto do Trabalho e Formação Profissional

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