Quem compra casas em Portugal?

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Se o preço de venda de casas - e o custo do arrendamento de habitação - continuam a subir em Portugal, como os dados anunciam, e os salários pagos são francamente limitados, quem são os seus compradores? Alguns números, apresentados pelo Idealista, parcialmente com base em dados oficiais do INE, podem ajudar a perceber a questão e a evitar simplificações e lugares-comuns que, como frequentemente acontece, estabelecem imagens atrativas e comunicáveis, mas distintas da realidade. 

A competição pela habitação entre os portugueses e os estrangeiros, tipicamente estes últimos com mais recursos disponíveis, que tem sido apresentada como elemento muito relevante para o aumento do preço das casas, tem algumas matizes. Competem pelas mesmas casas?  

Os dados indicam que os “estrangeiros” (que não o são necessariamente, já que se trata de “compradores com domicílio fiscal no estrangeiro”, o que inclui muitos portugueses emigrantes, por exemplo, cada vez mais e com mais recursos) pagam cerca de 60% mais por habitação em Portugal do que os residentes nacionais. Em Lisboa e Porto, este valor chega a mais de 70% de diferença. No Alentejo, a diferença é de 148%. Não obstante a chegada destes novos compradores – franceses, ingleses, norte-americanos, brasileiros... – poder contribuir para o aumento global do custo do imobiliário, é muito provável que não estejam, portanto, a comprar as mesmas casas que a generalidade do comprador português pretenderia adquirir, para mais com a subida muito relevante do custo do crédito nos últimos anos. Seria muito interessante perceber-se, aliás, de entre estes compradores “com domicílio fiscal no estrangeiro”, quantos são empresas e quantos são pessoas, quantos os portugueses nesse grupo, que tipologias de casas são adquiridas, qual o uso que é efetivamente dado a essas casas (habitação permanente, secundária, arrendamento, etc.) e diversos outros dados – que não são mero voyeurismo, mas elementos decisivos para a escolha e modulação de políticas. É diferente quando o comprador é um fundo russo que compra 40 imóveis no Algarve ou um reformado inglês que compra um estúdio em Cascais onde passa a residir. Todos são compradores “com domicílio fiscal no estrangeiro”, mas, também do ponto de vista da política de habitação para Portugal, não podiam ser mais distintos. 

Este crescimento da compra de casas por “estrangeiros” está a impedir a existência de habitação disponível especificamente em Lisboa e Porto? Os dados mostram que um terço dos estrangeiros que compra casa em Portugal está a adquiri-la... no Algarve, região que recebe, aliás, quase 40% do valor total das transações a favor de não residentes. Apenas 15% do total de casas vendidas a compradores estrangeiros se situam em Lisboa, menos até do que os 17% na Região Norte. 

E a ausência de imóveis para arrendamento é o aspeto decisivo para o seu custo atual? Ora, os números apresentados indicam que, entre o primeiro trimestre de 2024 e o primeiro trimestre de 2025, o número de imóveis disponíveis para arrendamento aumentou 49% em Portugal, designadamente 71% no distrito do Porto e 54% no distrito de Lisboa. São aumentos de disponibilidade de imóveis para habitação que, sendo comprovados, têm de fazer pensar, especialmente porque se verificam num momento em que a maioria do investimento público em habitação iniciado nos últimos anos ainda não está construído, e podem pôr em causa o novo mantra de “construir mais casas, rapidamente e em força”. Entre INE, Autoridade Tributária, autarquias, registos públicos e demais entes administrativos, há seguramente uma multiplicidade de dados que poderiam ser rentabilizados para melhorar a informação, atualizá-la e ajudar ao desenho e tomada de decisões fundamentadas – e com a sua fundamentação a ser pública. A última coisa que se quer, afinal, é infamar construtores civis e autarcas, sob capas ilegítimas de suspeição, sem qualquer adesão à realidade. 

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa  

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