Quem carrega no botão?

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O regime que governa Teerão é teocrático, repressivo, sem liberdade de expressão e com profundo desrespeito pelos Direitos Humanos, em particular relativamente às mulheres. Merece condenação clara. Sobre esta matéria aconselho o filme A semente do figo sagrado, de Mohammad Rasoulof.

Dito isto, o Irão não deixa de ser um estado soberano. É ao seu povo que compete decidir as mudanças que entender, como já fez em 1979. Preocupa-me a normalização de uma intervenção externa, alegadamente preventiva, que, a coberto do direito de defesa relativamente ao nuclear iraniano, visa assassinar dirigentes e mudar o regime. Já nos esquecemos da narrativa na invasão do Iraque em 2003, sobre as armas de destruição massiva, que se revelou um embuste.

É constrangedor ver que há dois pesos e duas medidas, ou seja, a falência moral do chamado Ocidente: condena-se a Rússia, e bem, pela invasão da Ucrânia, país soberano, por cima do direito internacional. No entanto, o argumento já não é extensível ao ataque israelita ao Irão. Repare-se que a justificação para as agressões da Rússia e de Israel é a mesma, o alegado direito de defesa.

O que se diria se houvesse uma intervenção externa para derrubar o regime em Israel? Afinal, trata-se de um Estado com uma dose teocrática não negligenciável, cuja extrema-direita agressiva e radicalizada no poder leva a cabo uma reconhecida prática genocida contra o povo palestiniano que condenou, com requintes de malvadez, a morrer à fome.

Por fim, vejamos a questão da ameaça nuclear. É preciso clarificar que o Irão assinou o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares. Um duro e longo processo, com avanços e recuos, mas ainda assim com alguma capacidade de controlo pela comunidade internacional. Em 2015 alcançou-se um acordo interessante, com Obama, que, em 2018, Trump interrompeu. Agora, em vésperas de reuniões Irão - EUA sobre o programa nuclear, Israel desencadeia o ataque e faz implodir as negociações. Israel, que é uma potência nuclear, não assinou o Tratado e não está sujeito a qualquer controlo. Sobre isto há um silêncio pesado e não vejo nenhuma preocupação por Telavive já ter ogivas nucleares.

Não quero ter o regime dos aiatolas com possibilidade de carregar no botão, mas não estou descansada e também não quero, de todo, Benjamin Netanyahu e a extrema-direita com acesso ao botão.

Soma-se aqui o papel dos EUA: Trump foi informado de cada passo sobre o ataque. A fanfarronice de que acabava com as guerras em dois dias ficou por isso mesmo e o que temos, hoje, é um quadro cada vez mais caótico.

A crescente tensão internacional é assustadora e muito complexa. Enquanto não se resolver a questão palestiniana, não se alcançará paz. Enquanto entre o Jordão e o Mediterrâneo não existirem dois Estados legitimados, nunca teremos segurança na região. Neste momento, todos os atos contam e têm de ser medidos. O presidente da Câmara de Lisboa fazer uma homenagem à viúva do último xá e mãe do candidato ao antigo trono - que aplaudiu o bombardeamento dos seus conterrâneos - é desadequado e só pode ser lido como ingerência ou provocação.

Vereadora independente, Cidadãos Por Lisboa, na CML

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