Quantos votos foram para o lixo desta vez?

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À hora que escrevo esta crónica não conheço ainda os resultados destas terceiras eleições legislativas  dos últimos quatro anos. Mas de uma coisa posso já informá-lo, caro (e)leitor: há uns 20% de probabilidade de que o seu voto tenha sido em vão. Se morar no Interior então, essa percentagem sobe consideravelmente e quase metade dos votos podem ter ido para o lixo.

Foi o que aconteceu, por exemplo, em Portalegre nas legislativas anteriores, em 2024: só 35573 dos 60662 votos expressos no distrito serviram para eleger os dois deputados desse círculo eleitoral. Ou seja, só 58,6% dos votos tiveram efeito prático. Os restantes 41,4%, mais de 25 mil votos, não serviram para nada.

No total, cerca de 1,3 milhões de votos nas últimas legislativas terão ficado sem representação parlamentar, somando os restos de todos os círculos eleitorais analisados, como denunciou um estudo elaborado pelo matemático Henrique Oliveira, do Instituto Superior Técnico, intitulado “Os votos sem representatividade”. Ora, isso corresponde a mais de 20% do total, com os territórios do interior e a emigração entre os mais penalizados.

 Em teoria, cada voto deveria valer o mesmo. Na prática, em Portugal, não é bem assim. E isso está longe de poder ser encarado como um mero detalhe técnico, é um problema estrutural que tende a corroer a equidade da nossa democracia. A raiz do problema, sobejamente identificada, encontra-se na forma como os círculos eleitorais estão desenhados e na aplicação do método d’Hondt.

Como tem vindo a ser demonstrado sucessivamente, este sistema perpetua uma lógica de desigualdade territorial em que o Interior, já desfavorecido economicamente, fica cada vez menos representado no poder político. E favorece a concentração de votos em partidos maiores, sobretudo nos círculos com menos mandatos, enquanto os partidos mais pequenos, com votos mais dispersos, saem prejudicados na expressão parlamentar da sua real popularidade no país. Um círculo vicioso que mina a coesão nacional e alimenta a desconfiança no sistema.

Entre as reformas que urgem para refundar a vitalidade da nossa democracia, a do sistema eleitoral deveria ser uma prioridade, para que todos se sintam, de facto, envolvidos. Seja através de um círculo nacional de compensação que permita recuperar os votos “perdidos” nos círculos menores e redistribuí-los proporcionalmente a nível nacional, ou através de um sistema misto, que combine círculos locais com uma componente nacional proporcional (ou uma qualquer outra solução mais eficiente identificada), o importante é que de facto sintamos todos que temos um voto útil nas mãos. Mesmo que vivamos na mais remota aldeia de Portalegre.

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