Quanto vale o otimismo?

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Podemos entrar no último trimestre de 2022 com uma nota de otimismo, de esperança que a parte final deste ano possa ser um tempo positivo de viragem? Pergunto isto sabendo que é muito difícil, numa situação tão complexa e perigosa como a que agora vivemos, ser-se ao mesmo tempo realista e otimista. O otimismo é uma postura combativa, uma interpretação dos factos que procura sublinhar as tendências positivas. O otimismo constrói-se e faz falta. Mas não pode ser um exercício de ilusão ou de engano. A situação atual é demasiado grave, não se compadece com fantasias, ausências de realismo ou matreirices políticas, como por aí vemos.

Alguns dirão que as presentes ofensivas ucranianas e as dificuldades políticas que Vladimir Putin tem encontrado na sua frente interna são animadoras. A curto prazo, podem ser vistas assim. Mas ainda estamos muito longe do fim da agressão. O regresso à paz tem custos enormes, que a Ucrânia não conseguirá suportar sozinha, sem uma ajuda permanente e efetiva dos seus aliados. Ora, do lado europeu, as promessas são muitas - por exemplo, 10 mil milhões de euros prometidos como ajuda financeira pela Comissão Europeia e apenas pouco mais de mil milhões transferidos até esta data. É verdade que esta semana foi assinado um memorando entre a Comissão e a Ucrânia, que deverá libertar sem mais demoras 5 mil milhões. Destinam-se ao pagamento dos salários e das pensões e aliviar um pouco a pressão sobre as finanças públicas ucranianas. E depois? A ajuda financeira, e não apenas a militar, vai ser necessária por muito tempo. Está a Europa pronta para tal? A resposta terá de ser afirmativa. Mas não são favas contadas.

Outro tipo de otimistas sublinhará que os mercados financeiros recuperaram bastante durante os primeiros dias de outubro. Ignoram, todavia, que os investidores institucionais continuam a diminuir o peso das ações nas suas carteiras - uma atitude prudente de quem antevê uma grande crise económica - e que apenas os investidores individuais e os especuladores estão a colocar dinheiro no mercado acionista, muitos por tolice, e alguns porque há maneira de ganhar uns bons cobres numa situação de grande volatilidade. Na verdade, os mercados financeiros andam aos pulos e aos saltos, mas a tendência é para voltar aos valores anteriores a 2020, antes da loucura que foi o tempo da pandemia e a derrocada de 2022.

Este outono e inverno serão um momento muito crítico para as economias e para a estabilidade política na Europa. Chegaremos ao fim ou mais coesos e com uma união mais forte, ou então profundamente divididos, com cada Estado a puxar a brasa ao seu umbigo nacional. Para se ir no bom sentido, será necessário atuar em três frentes. Num acordo sobre as questões energéticas, com um quadro de referência comum, que seja respeitado por todos. Num apoio sem falhas à luta legítima e vital pela soberania e a democracia na Ucrânia. E numa posição firme, inequívoca e certeira - estratégica - perante as ameaças de Vladimir Putin. Aqui, no caso do Kremlin, temos de compreender que as questões centrais são duas: estão Vladimir Putin e a sua clique, Dmitry Medvedev, Nikolai Patrushev, Mikhail Mishustin e outros, numa trajetória suicidária, como as suas declarações sobre o recurso a todo o tipo de armamentos o fazem pensar? E o que devemos fazer para evitar uma tragédia desse género? Não menciono o checheno Ramzan Kadyrov, porque os russos que detêm o poder federal o olham do alto da sua xenofobia de eslavos como um peso pluma marginal, pouco mais do que folclore. A sua promoção a coronel-general é para o calar.

Tudo isto tem um preço - exige muitos sacrifícios, muito debate e clareza política sobre os cenários possíveis, os perigos maiores e as respostas mais adequadas. Na realidade, ser-se otimista tem custos, mas vale a pena. Temos de estar prontos para defender o nosso futuro.

Conselheiro em segurança internacional. Ex-secretário-geral-adjunto da ONU

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