Quando as línguas se encontram

Há muito que conhecemos a importância das línguas. Depois da segunda guerra mundial, o inglês tem vindo a afirmar-se como idioma universal, dominando a economia, a tecnologia, a ciência e sendo apresentado como fator de internacionalização. Se a posição das economias dos países de língua inglesa foi determinante para a sua afirmação, há que considerar outros fatores (também com relevância económica) como a indústria do cinema ou da música, que muito contribuíram para tornar o inglês uma língua global.

A história conta-nos as longas e deambulantes trajetórias das línguas, mas também as políticas (ou a sua falta) que permitiram o seu crescimento ou circunscrição.

No século XXI, valorizamos cada vez mais a diversidade como traço humano e dela faz parte a diversidade linguística, como tem vindo a alertar a UNESCO. Entre as diferentes estratégias de reforço das línguas, está a valorização da proximidade dos idiomas como acontece com o projeto dos três espaços linguísticos que junta português, espanhol e francês. Mais recente tem sido a consciência da cooperação entre espanhol e português, durante muito tempo visto como uma ameaça para a identidade de cada língua. Ao contrário, podemos todos beneficiar do valor e poder de cada língua com os seus argumentos próprios: se é verdade que o espanhol tem, hoje em dia, mais falantes (cerca de 550 milhões), o português está presente em mais continentes, o que permite a interação com diferentes blocos regionais. Na América Latina, o português representa mais de um terço dos falantes e, em África, prevê-se um crescimento exponencial que decorre de uma população jovem que se multiplica.

As duas línguas, em conjunto, representam mais de 850 milhões de falantes, o que é um número relevante em muitas dimensões (da economia à geopolítica).

Contudo, o número de falantes não é suficiente para determinar uma língua global: é preciso políticas ativas que incentivem a presença na ciência, melhorem a educação, garantam presença no espaço digital ou valorizem os recursos naturais. Há cada vez mais estudos sobre esta interação entre línguas e sociedade existindo uma disciplina (a glotopolítica) que analisa de uma perspetiva crítica esta relação entre língua e política nas suas diferentes dimensões.

Tem sido esse o contributo das Conferências Internacionais das Línguas Portuguesa e Espanhola que a OEI organiza desde 2019. A primeira decorreu em Lisboa, tendo como tema "Ibero-América: uma comunidade, duas línguas pluricêntricas". A CILPE2019 permitiu estabelecer as linhas de ação desta cooperação entre línguas que não deixou de fora a riqueza das línguas indígenas da região. Por outro lado, estiveram envolvidas diversas instituições, desde logo a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, mas também a Secretaria Geral Ibero-americana, o Instituto Internacional da Língua Portuguesa, o Instituto Camões, o Instituto Cervantes, o Instituto Guimarães Rosa. Estes são parceiros que se mantêm até hoje e com os quais trabalhamos para o objetivo comum de promover as línguas e, por seu meio, as comunidades que as falam.

A segunda conferência, prevista para 2021 mas adiada para 2022 por causa da pandemia, realizou-se em Brasília e teve como tema "Línguas, Cultura, Ciência, Inovação", focada na Ciência Aberta e Plurilingue, nas Tecnologias da Linguagem e na Cultura Digital. Mais uma vez, foi um encontro que traçou linhas de trabalho inovadoras e antecipou debates que se tornaram centrais, como as línguas e a Inteligência Artificial. Aproveitando os novos hábitos de comunicação, a conferência teve uma enorme participação virtual, com milhares de visualizações, o que permitiu levar a mais interessados estes debates.

A terceira conferência está a decorrer em Assunção, no Paraguai, com um forte envolvimento do governo local. Podemos dizer que este é um lugar quase simbólico, porque aqui confluem três idiomas: além do espanhol e do guarani, línguas oficiais, a fronteira com o Brasil propicia o uso do português, facilmente compreendido pela população. O tema da CIL -- E2023 - Línguas, Comunicação, Educação, Intercultural, Diversidade -- permite abordar necessidades correntes, como o ensino em contexto plurilingue, mas também desafios como aqueles que se colocam atualmente no encontro entre línguas e culturas por efeito das migrações (seja qual for a sua razão). Será também ocasião para homenagear as vozes de tantos escritores ibero-americanos que têm contribuído para uma consciência sobre o mundo em que vivemos. Pela primeira vez, se debatem os desafios da comunicação num mundo volátil, incerto, complexo e ambíguo, em que é preciso descortinar o sentido das palavras na floresta das falsas notícias e da realidade virtual.

Mais uma vez, se somam parceiros e se constroem redes, cientes de que essa é a força essencial que, apesar de todas as incertezas, pode construir-nos como pessoas e contribuir para o desenvolvimento. No princípio era o verbo. Acreditamos na força do encontro entre línguas e pessoas para um mundo melhor.


Diretora em Portugal da Organização de Estados Ibero-Americanos

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