Quando a "democracia" se torna marca de lealdade
Nesta semana realizou-se a segunda "cimeira pela democracia" organizada por Washington que visa, de facto, dividir todos os países do mundo em dois grupos: democracias e não-democracias. Preto e branco, good boys e bad boys, democratas e autocratas - esta lógica simplificadora, viciosa e nada correspondente à complexidade da vida real está frequentemente utilizada pelos Estados Unidos para delinear a sua esfera de influência.
O termo "democracia" neste sentido já perde o seu significado original e serve apenas para um objetivo: definir os que são leais a Washington, tendo em conta a sua vontade de sacrificar a soberania e interesses do próprio povo, e os seus adversários - na essência os Estados que promovem a ação externa independentemente e sem qualquer tipo de servilismo. Não há outra maneira de explicar a escolha de participantes da dita "cimeira", na qual países-membros dos autoproclamados blocos democráticos (UE, NATO) acabam por ser atirados para fora.
Mas como os critérios de participação são tão opacos e, efetivamente, enquadram-se naquela quimera da "ordem mundial assente em regras" (contraposta aos princípios do Direito Internacional), deixemos as "democracias" jogar o seu jogo favorito de bajulação dos Estados Unidos e pensemos sobre o que verdadeiramente é a democracia.
Será que é um ímpeto de encher com armas cada vez mais mortíferas o buraco negro da Ucrânia para prolongar o conflito e o sofrimento de populações civis para atingir o objetivo tão desejado de "derrotar a Rússia estrategicamente"?
Será que é infundir o regime neonazista e corrupto de Kiev com milhares de milhões de euros, enquanto as necessidades dos cidadãos dos Estados ocidentais não estão a ser ouvidas?
Será que é impingir o seu modus vivendi a outros através das sanções ilegais que não têm nada a ver com as normas consagradas nos documentos-chave das Nações Unidas ou princípios do mercado livre?
Será que é democrático quando a minoria do "bilhão de ouro", ou habitantes do "jardim" como os modestamente definiu o chefe da diplomacia da UE Josep Borrell, força os quase 7 mil milhões de pessoas do resto do mundo a "dançar ao ritmo deles" para assegurar o ilusório "isolamento da Rússia"?
Claro que não. A verdadeira democracia nas relações internacionais manifesta-se no respeito mútuo, na procura do consenso, na não-ingerência nos assuntos internos dos países, no não-asseguramento da própria segurança ao custo da segurança dos outros. São estes critérios que caraterizam, por exemplo, as relações entre a Rússia e China que ganharam um impulso significativo durante a recente visita de Estado a Moscovo do Presidente chinês Xi Jinping a convite do Presidente Vladimir Putin (20-22 de março).
Aspirando pelo desejo de garantir a prosperidade e bem-estar dos nossos povos, bem como contribuir para a ordem mundial mais democrática, os líderes assinaram a Declaração conjunta da Federação da Rússia e da República Popular da China sobre o aprofundamento das relações de parceria compreensiva e cooperação estratégica que entram numa nova era e a Declaração conjunta do Presidente da Federação da Rússia e do Presidente da República Popular da China sobre o plano de desenvolvimento das direções-chave da cooperação económica russo-chinesa até 2030, que traçam o caminho do desenvolvimento do nossa interação mutuamente benéfica para muitos anos a seguir.
No contexto das turbulências no sistema das relações internacionais e degradação das instituições multilaterais sob pressão de Washington, Moscovo e Pequim mostraram ao mundo um exemplo do compromisso firme para com os princípios da Carta das Nações Unidas. Ambos os líderes confirmaram não só o curso para a democratização da ordem mundial com especial foco na recusa da ditadura de poderosos que abusam as suas potências e violam desta forma o equilíbrio frágil existente nas relações internacionais. A Rússia e a China aspiram tomar parte imprescindível na construção dum sistema multipolar e democrático que se baseie nos princípios de respeito mútuo e negue a possibilidade de conflito entre os blocos político-ideológicos no palco mundial.
A visita de Estado do Presidente da República Popular da China Xi Jinping à Rússia reafirmou mais uma vez a profunda cooperação estratégica entre Moscovo e Pequim multifacetada que serve um pilar da estabilidade no mundo moderno e o asseguramento da sua prosperidade futura.
Resumindo, gostaria de relembrar ao estimado leitor português uma frase do grande estadista mexicano do século XIX Benito Juárez que deveria servir-nos uma estrela-guia nas relações internacionais: "o respeito ao direito alheio é a paz". Acredito que, se todos nós seguíssemos este princípio, a nossa casa comum que é o mundo se tornaria mais segura, mais democrática e mais próspera.
Embaixador da Rússia em Portugal