Quando a alma não é pequena
O país que hoje temos é muito diferente daquele que existia em 24 de abril de 1974, nas vésperas da Revolução. Há quem tenha tendência para ver o copo meio vazio, apontando para o atraso relativo que o país ainda tem em vários domínios, quando comparado com os seus pares europeus. Mas é inegável que os 51 anos de democracia têm um saldo positivo: basta olhar para o sucesso alcançado na diminuição da mortalidade infantil. Ou a redução do analfabetismo. Diria que por estas razões, apenas, já teria valido a pena fazer o 25 de Abril. Os céticos dirão que outra forma de transição teria permitido obter os mesmos resultados, ou até superiores. Podemos supor muitas coisas, mas o facto é que foi a democracia de Abril que criou finalmente um sistema universal de saúde que permitiu fazer com que, todos os anos, deixassem de morrer milhares de crianças em Portugal devido a infeções e outras doenças perfeitamente tratáveis. Só em 1974, foram mais de 6600 a perderem a vida. Hoje, meio século depois, Portugal é um dos países europeus com menor mortalidade infantil. É inegável que houve um progresso enorme e Portugal supera, a este nível, países mais ricos e desenvolvidos. Se há algo, nestes 50 anos, de que nos podemos orgulhar, é disto.
Há 50 anos, unimos-nos como povo e, com grandes sacrifícios conseguimos erguer um Serviço Nacional de Saúde, um sistema de ensino público e uma segurança social que acudisse aos mais frágeis. Os portugueses arregaçaram as mangas e meteram mãos à obra. O país era mais pobre, mas da esquerda à direita todos queriam dar condições de vida minimamente aceitáveis às populações. O estado social que hoje temos, com as suas virtudes e os seus defeitos, nasceu desse momento histórico em que os portugueses se uniram e fizeram o que antes era tido por impossível.
Essa será, de resto, a grande lição que podemos retirar para os próximos 50 anos. Quando queremos, somos capazes de tudo. Não estamos condenados a ficar na cauda da Europa. Não existe uma maldição que nos obrigue a ficar para trás. Somos um povo que ama a liberdade, que genuinamente se preocupa com os mais fracos e que gosta de viver em paz. Somos um país seguro e onde todos são bem vindos. Ao mesmo tempo, não podemos cair no erro de confundir os meios com os fins, nem de olhar para a economia como se nela coubesse a totalidade da experiência humana. O que realmente nos leva à grandeza, como o povo, é a capacidade de sonhar e inovar. A riqueza material é um instrumento e, num segundo momento, a consequência dessa grandeza da alma. Mas nem sempre é o fim em si mesma, porque o ser humano também vive para as emoções, para os valores e para outros intangíveis. Como disse o falecido Jorge Nuno Pinto da Costa, os adeptos portistas, quando vão ao Museu do Dragão, não o fazem porque querem admirar “um rico balancete”, mas sim para rever os troféus que os transportam de volta a esses momentos em que tudo valeu a pena porque a alma não foi pequena. Se me permitem um voto para os próximos 50 anos, que seja este: que saibamos superar-nos enquanto povo, sem perdermos as características que nos distinguem pela positiva. 25 de Abril sempre!
Diretor do Diário de Notícias