Putin: que nos trazem os próximos dias?

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A 21 de fevereiro, Vladimir Putin discursará perante uma sessão conjunta das duas assembleias legislativas da Federação Russa - a Duma e o Conselho da Federação. Deverá ser um discurso especialmente importante, por ocorrer praticamente nas vésperas do aniversário da "operação especial" - agressão, assim é - contra a Ucrânia e numa altura em que a narrativa vinda do Kremlin enfrenta o complicado desafio de manipular uma opinião pública doméstica cada vez mais confusa. Como justificar a continuação de uma guerra que devia ter sido ganha em meia dúzia de dias e que agora parece estar num impasse interminável? Putin sabe que essa é uma questão central para os seus concidadãos, uma matéria que tem um impacto negativo na sua preciosa imagem de grande líder.

Joe Biden estará na Polónia nessa data. A formulação das hipóteses de resposta que irá dar às palavras de Putin fará seguramente parte dos preparativos da sua viagem. No essencial, deverá continuar a insistir na necessidade de se respeitar a soberania ucraniana e o direito à legítima defesa. Por muito belicosa que seja a oratória de Putin, deve ser tratada com um misto bem ponderado de firmeza e de prudência. Mesmo sabendo que ele acaba de despachar para o Mar Báltico navios com armamento nuclear tático, algo que não acontecia desde os tempos da União Soviética, há mais de trinta anos. Mas enquanto a inimizade contra o Ocidente ficar tão só ao nível das palavras de ódio, das manhas políticas e das ações económicas, a resposta deve ser inspirada apenas no apoio incondicional e urgente à defesa que os ucranianos estão a fazer, de modo exemplar, da sua pátria.

Biden compreende que esse é o limite, neste momento. À conversa hostil e mentirosa responde-se com princípios, uma diplomacia clara e uma assistência em grande escala ao povo agredido. Uma escalada que envolvesse diretamente um país membro da NATO seria uma catástrofe. E um erro suicida que só Putin seria capaz de cometer.

Aguardo o discurso de 21 de fevereiro com preocupação. Sobretudo se vier a ser um aprofundamento do que Putin disse em Volgogrado, há duas semanas, no octogésimo aniversário da Batalha de Estalinegrado. Ou seja, se Putin continuar na linha narrativa falsa de que existe agora a possibilidade de uma ameaça existencial contra a Rússia, que se manifestaria, segundo disse em Volgogrado, na transferência para a Ucrânia de armas mais potentes e certeiras. Essa ameaça existencial é uma invenção. O papel dos invasores nazis em território estrangeiro é desempenhado hoje pela Rússia na Ucrânia.

A justificação patrioteira é vital. Putin tem claras dificuldades para mobilizar os combatentes necessários para uma nova ofensiva terrestre - a infantaria e artilharia russas deveriam estar prontas, e não estão, para dar seguimento operacional à campanha de ataques aéreos que a Rússia tem em curso. Para incitar, o Kremlin tem de se agarrar a todas as falsidades e medos históricos. Na realidade, é a existência política de Putin que pode estar em jogo.

A escassa motivação de pessoal combatente - os cidadãos russos sabem que a guerra tem sido uma tragédia em termos de perdas de vidas dos seus militares - é uma das principais fragilidades da campanha de Putin. A pretensa integração na Federação Russa das quatro regiões do leste da Ucrânia - formalizada depois da farsa dos "referendos" arremedados em setembro de 2022 e apenas reconhecida pela Coreia do Norte - vai ser aprofundada com toda uma bateria de novas leis, que serão aprovadas em Moscovo a 22 de fevereiro. Será mais uma tentativa de obrigar os jovens recrutas a combater nessas regiões, parcialmente ocupadas, mas fantasiosamente integradas em pleno na pátria russa e por isso de defesa obrigatória para quem tem de cumprir o serviço militar. Mas não resolverá o problema da falta de convicção e de preparação desses novos combatentes, que irão sofrer o mesmo destino dos que por lá têm sido sacrificados nos últimos meses. Tudo isso poderá aumentar a oposição ao regime de Putin. O Ocidente tem de encontrar meio de bater nessa tecla. Às munições, às baterias de defesa antiaérea, aos tanques e outros veículos de combate, à partilha de informações estratégicas com a Ucrânia, há que acrescentar uma campanha de informação destinada à população russa. A informação com verdade é uma arma de paz e de libertação.

Conselheiro em segurança internacional. Ex-secretário-geral-adjunto da ONU

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