Putin é que sabe
Gente trazida de lugares remotos por aviões fretados, levada até à fronteira com a União Europeia e empurrada pelas forças militares de um lado e impedida de prosseguir pelas tropas do outro. Nas capitais europeias, ataca-se Lukashenko, acusa-se Putin e critica-se os polacos (mais do que os lituanos). O que se está a passar na fronteira entre a Bielorrússia e a Polónia (e a Lituânia) é tanto um crime quanto uma lição de política, interna e externa.
Lukashenko começou a colocar migrantes junto à fronteira europeia no verão passado, mas só agora é que isso chegou às primeiras páginas dos jornais europeus. E, em todo o caso, embora reconhecida como uma acção contra a UE, é apresentado como um problema polaco ou lituano, na secção internacional. Essa circunstância, não prestarmos grande atenção ao que se passa numa das fronteiras europeias porque não a sentimos como nossa, diz quase tudo sobre a dificuldade quase insolúvel de a Europa ter uma voz externa comum. E os nossos adversários, a começar por Putin, sabem-no. (Por esta altura contemos que já todos deram por adquirido que Putin tem como principal estratégia de poder global ser um desestabilizador regional.)
As imagens de gente miserável às portas da Europa, a morrer de frio e de desesperança é intolerável. E não é só nas capitais da Europa ocidental. Junto à fronteira, há gente comovida que discretamente protege os que conseguem enganar armas e arame farpado. Mas são uma minoria. Não é preciso ser um génio do mal para antecipar que a maioria dos polacos ou lituanos não ia abrir as portas a milhares de machos muçulmanos a atravessar o seu país. E que seriam criticados por isso. Lukashenko, obviamente autorizado e instigado por Putin, conhecia bem que problema estava a criar.
A semana passada, no Parlamento Europeu, a par das críticas a Minsk e a Moscovo, houve críticas ao governo de Varsóvia (que à partida já tem poucos amigos em Bruxelas). O facto de os polacos impedirem o acesso à fronteira a jornalistas e organizações não governamentais, de ser evidente que, contra as regras, empurram de volta para a Bielorrússia quem apanham do lado de cá, e haver já quem peça um muro ao longo desta fronteira, é material inflamável, e começou a pegar fogo.
Para lá do crime abjecto de Lukashenko, não perceber esta manipulação das divisões europeias pode vir a ser um erro político ainda mais grave.
Enquanto o Parlamento Europeu discutia o tema, o ex-presidente do Conselho e agora líder do Partido Popular Europeu, Donald Tusk, a melhor esperança da oposição polaca, chamava a atenção para o que deveria ser óbvio. Numa carta aberta, apelava "à sabedoria e determinação" dos líderes europeus, para que não permitissem que aumentasse a tensão na fronteira "independentemente do que pensem sobre migrações e o governo polaco". O objectivo de tudo isto é "desestabilizar a Polónia, a Lituânia e (dessa forma) a União", tentou explicar-lhes.
Perante a crise e a estratégia dos seus adversários, só há três coisas que a União Europeia pode fazer: pressionar Lukashenko (e Putin) com verdadeiras sanções, estar sincera e publicamente do lado dos polacos e lituanos (criticando algumas acções sem confundir a hierarquia do mal), e assumir o encargo com esta pressão como um custo comum. Se não fizer alguma delas, vai pagar um preço alto em desunião interna e impotência externa. Mas esta é também a ocasião para o governo polaco mostrar que se deixa ajudar. Se os europeus não perceberem o que Putin percebeu, correm o risco de não resolver o crime nem evitar a crise.
Consultor em assuntos europeus