A 3 de janeiro deste ano, os líderes dos membros permanentes do Conselho de Segurança assinaram uma declaração conjunta sobre a prevenção de guerras nucleares. Escrevi então aqui que a China, os Estados Unidos, a França, o Reino Unido e a Rússia se haviam comprometido, pela primeira vez e de forma solene, a evitar um conflito nuclear entre eles, reconhecendo sem ambiguidades "que uma confrontação desse tipo não tem vencedores e, por isso, não deve ocorrer"..Também acrescentei que era aconselhável assumir uma visão otimista e sublinhar o lado positivo da declaração. Mais ainda, escrevi que se fosse disparado um primeiro tiro, por muito tático, local e limitado que fosse, seria sempre o ponto de partida para uma grande guerra..Assim continuo a pensar e julgo que estou na mesma onda de pensamento de Vladimir Putin. Dito de modo mais claro, não creio que, neste momento, o presidente russo esteja pronto para recorrer ao armamento nuclear, mesmo quando faz cara de mau e jura que não é bluff. Sublinho, note-se, neste momento. E quando o seu acólito Dmitry Medvedev fala explicitamente da possibilidade de respostas nucleares, lembro-me do que os generais russos com quem tive oportunidade de negociar há uns anos na Suíça me diziam sobre ele: um peso ligeiro, que só subsiste por viver à sombra de Putin. Parece que agora quer aparecer como um duro, para se posicionar melhor numa possível corrida à sucessão. Não tem hipótese alguma..Voltando ao essencial, reconheço, no entanto, três realidades..Primeiro, não se pode diminuir a vigilância no que respeita às movimentações à volta do arsenal nuclear russo. É preciso estar atento a todos e quaisquer indícios..Segundo, o conflito provocado por Putin continua num processo de agravamento, de escalada contínua. A possível implicação da Bielorrússia seria, entre outros aspetos, algo bastante preocupante, até porque Alexander Lukashenko não tem a subtileza estratégica de Putin e poderia rapidamente entrar em conflito com a Polónia ou a Lituânia, países membros da Nato..E a terceira realidade é que as forças armadas russas estão cada vez mais fragilizadas, em termos operacionais, logísticos e de moral combativa. Mas a Rússia não deve ser vista como encostada contra a parede. Seria um erro. Tem ainda meios balísticos importantes e de longo alcance, que continuarão a ser utilizados de modo brutal, incluindo para praticar mais crimes de guerra, numa invasão que foi agora condenada de novo pela Assembleia Geral da ONU. Os bombardeamentos massivos desta semana, contra diversas cidades ucranianas, assim no-lo recordam. Mesmo considerando que os inventários e a capacidade de produção de novas munições e de armamentos de substituição estão bastante afetados, a Rússia tem igualmente toda uma série de instrumentos híbridos, fora do âmbito clássico das armas e munições, que poderão causar estragos enormes..No conflito com a nossa parte da Europa, não penso que se esteja à beira de uma ofensiva armada contra as nossas defesas. A utilização de meios híbridos, de sabotagem de infraestruturas, de ciberataques, de manipulação da diplomacia e da informação, e de desestabilização económica e política, parecem-me ser a opção preferida por Putin, nesta fase. Está mais em linha com a sua formação como agente do KGB e mestre de operações clandestinas. Sabe que esse tipo de ações é mais difícil de catalogar, em termos de atribuição de responsabilidades, oferecendo assim uma ambiguidade política muito superior aos atos de natureza militar. Pode atacar-nos e pretender, ao mesmo tempo, que nada tem a ver com o assunto..Como se responde a uma estratégia que visa criar o máximo de confusão, divisões, dificuldades e incertezas no nosso espaço de soberania? Essa é a grande interrogação, agora que vem aí o frio, a chuva, o gelo e a neve. O primeiro passo, que deverá ser assumido pelos líderes ocidentais, é dizer, alto e bom som, que a paz e a cooperação na Europa não podem coexistir com aventureirismo e revanchismo no poder. Esse é, aliás, um desafio que as instituições e os cidadãos russos terão de resolver, sem mais demoras.. Conselheiro em segurança internacional. Ex-secretário-geral-adjunto da ONU