Putin a destruir tudo: energia-inflação-rua

1 A inflação fez esta semana cair dois bancos nos Estados Unidos, dando sentido à frase de que na economia, por vezes, um bater de asas de uma borboleta provoca um furacão do outro lado do mundo. E neste caso, infelizmente não é uma borboleta: é uma guerra, como já não julgávamos possível nos países desenvolvidos.

A Rússia conseguiu em apenas um ano instalar o caos do lado de cá da democracia. Repare-se: o Silicon Valley Bank cai, mas não porque tenha investido os biliões dos seus depositantes em ações especulativas ou em produtos complexos (tipo Lehman Brothers). Pelo contrário, investiu tudo nos títulos mais seguros do mundo - obrigações do tesouro norte-americano. E mesmo assim caiu porque os títulos viram a sua cotação tão desvalorizada, devido à súbita subida das taxas de juro, que essa dívida de longo prazo, pensada num contexto em que o monstro da inflação continuava metido na caixa, não estava à vista de ninguém. Só que agora, este - e outros bancos - podem continuar a colapsar.

2 Apesar do Silicon Valley Bank ser menos regulado do que os grandes bancos do sistema e estejamos longe de 2008, o resultado é o mesmo: torna-se obrigatório salvar os bancos porque, senão, muitas empresas não pagam os salários no final do mês.

Também podemos discutir por que têm tantas empresas biliões parqueados - e não investidos ou minimamente partilhados com a sua mão-de-obra. Em alguma medida, o colapso da PT em 2014 com a queda do BES resultava deste mesmo vício: houve em média quase mil milhões da tesouraria da PT que, durante duas décadas, foram aplicados em esquemas financeiros pouco produtivos para a própria empresa. Porquê?

Claro, não foi Putin quem desencadeou esta desigualdade sistemática entre os açambarcadores de dinheiro e a mão-de-obra anónima e raramente compensada. Só que o monstro da inflação reforça o caos difuso e a revolta social. E, se é verdade que a porta da caixa se entreabriu no pós-pandemia, foi a guerra na Ucrânia que fez o mercado mundial da energia atingir picos dramáticos. A partir desse momento, a inflação soltou-se. Todos se justificaram na energia. E agora a situação não tem regresso fácil.

Pior: a ideia de que há sempre dinheiro para os bancos, e nunca para as pessoas, é a mais perfeita arma para o populismo grassar. É verdade que os bancos centrais literalmente "roubam" (suprimem, absorvem...) dinheiro às famílias para os darem aos bancos (em juros), deixando o sistema financeiro com resultados milionários. Mas o que é dramático é que, sendo verdade, nada disto acontece por uma "vontade de oprimir". É apenas porque se trata do mecanismo mais eficaz conhecido até agora para abrandar a pressão sobre os preços.

3 Daí chegamos aos protestos. Veja-se a França. Passar a idade da reforma de 62 para 64 anos deveria ser apenas uma questão de bom senso face à maior longevidade de todos nós. Mas não passa socialmente. Os franceses estão revoltados com tudo. Mesmo que o dia de amanhã possa ser terrivelmente pior e afete o compromisso social de garantir que os jovens de hoje também beneficiarão de contribuições sociais, amanhã. Até porque a resposta dos governos para acalmar a sociedade assenta sempre na mesma solução insustentável: mais endividamento público numa Europa mais envelhecida, menos competitiva, ameaçada de fratura.

Putin está a arrasar a Ucrânia - e também a democracia global. Se for realmente verdade que há mais republicanos a preferirem Putin a Biden, e que a França cairá para a extrema-direita, então preparemo-nos para o pior. Putin ganhou.

Jornalista

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