Prevenir o incêndio respeitando os valores universais
Hoje ao fim da tarde estarei em Tavira, a convite da Biblioteca Municipal, para tentar responder a uma dúvida atual e complexa. Tempos de liberdade ou de ilusão? Essa questão reflete, na realidade, um tempo de inquietações, face aos grandes desafios contemporâneos. Para onde vamos? Ou melhor, para onde nos querem arrastar?
Nas nossas sociedades, no mundo que consideramos democrático, a liberdade e a ilusão fazem ambas parte do nosso quotidiano. Acrescentarei mais duas linhas de reflexão.
A primeira, positiva, será para sublinhar que o diálogo político é um pilar fundamental da liberdade. O diálogo permite aprofundar a compreensão dos desafios que nos são comuns, estimular a ação conjunta, reforçar a unidade entre os cidadãos e a solidariedade internacional.
A segunda reflexão, igualmente baseada na minha vivência, é um alerta e diz respeito ao radicalismo político. Os radicais, seja de que cor forem, são sempre uma ameaça contra a liberdade. Um radical pensa ser o dono da verdade absoluta. É, na sua essência, um ser intolerante, um fanático. A sua missão consiste em tentar impor a sua visão da sociedade e do mundo a todos os outros, pela ilusão, a alienação ou pela força. O radicalismo vive da opressão e do medo, e constrói-se com mentiras envoltas em slogans simplistas. Se chegar ao poder, construirá uma ditadura, logo que possa. Estamos a assistir a isso, estupefactos, incluindo em países tradicionalmente livres.
Nos contextos extremos, o diálogo com quem controla o poder dificilmente permite obter resultados construtivos. Esses dirigentes são especialistas na arte do engano e na prática da vingança. Temos, isso sim, de insistir no seu descrédito público, na desmontagem das suas falácias e outras fantasias, para que fique claro o erro e o perigo que representam. Isto é tão verdade ao nível de cada país, onde se não deve cair no engodo político de alianças com organizações extremistas, como o é nas relações internacionais. Os políticos extremistas não acatam os valores universais, os pactos e as regras das relações internacionais nem mesmo as leis dos seus países, quando estas lhes travam a prepotência ou fazem desmoronar as ilusões em que assenta a sua sede de poder absoluto. Quando lhes é conveniente vestem pele de cordeiro. Uma vez no topo, a sua principal preocupação é fazer tudo para aí continuar, das mais sofisticadas aldrabices aos maiores desmandos totalitários.
O passo seguinte é tentar perceber se estamos num período histórico de mudança de paradigma. Ou seja, procurar compreender se os principais parâmetros que regem, determinam, ou mais simplesmente, guiam a interação entre as nações são agora outros. Aparentemente, sim: a fragmentação, o regionalismo e o retorno ao Estado-Nação parecem estar a substituir a cooperação internacional, a interdependência de interesses, as respostas globais a problemas que são de todos e pedem esforços coletivos. O paradigma que nos propõem quer convencer-nos que a razão e o equilíbrio entre os povos mais não é do que idealismo simplório. O fundamental seria a vontade dos mais fortes, o Diktat imperialista das grandes potências. Daqui resultaria a falência do sistema das Nações Unidas e outros, e uma nova realidade de conflitos devastadores, e mesmo suicidas, entre os poderosos. Não se pense que haveria paz num mundo baseado na competição e na edificação de áreas de influência. Estamos, na verdade, confrontados com um processo destrutivo, que deve ser denunciado e impedido de vingar.
Ao escrever estas linhas tenho vários líderes em mente. Uns representam um perigo de grande amplitude, capaz de destruir uma boa parte da ordem mundial que foi construída até agora. Outros têm um impacto negativo mais local, ao nível das suas populações, dentro das fronteiras nacionais, ou regional, sempre que conseguem desestabilizar ou agredir a sua vizinhança ou exportar os seus soldados de fortuna para regiões distantes, a saquear.
Não cito nomes, porque o leitor sabe identificar essa gente. Pelo menos, os de maior peso, os que representam uma ameaça enorme para a estabilidade e a sobrevivência de um mundo que procura combinar prosperidade com o respeito pelas pessoas e pela natureza. Alguns dirão que a ausência de nomes é um ato de autocensura, que já fui apanhado pelo “novo” paradigma, que faz do medo uma das suas armas. Se é verdade que os radicais jogam com o medo, como a História sempre nos mostrou, quem me lê regularmente sabe o que penso sobre cada um dos grandes atores da atualidade.
Para terminar de modo otimista, nestes tempos de grandes preocupações, quero lembrar que, nas nossas sociedades de tradição democrática, a liberdade é como a Fénix da mitologia grego-egípcia. As suas asas simbolizam a verdade e a coragem. Sendo que a Fénix não pode ignorar os pirómanos!
Conselheiro em segurança internacional
Ex-secretário-geral-adjunto da ONU