Presidentes Governantes é uma análise sistemática numa era de fragmentação e volatilidade política
Os sistemas de governo caracterizados por presidentes governantes, analisando fenômenos como fragmentação, governo dividido, volatilidade e coalizões políticas estão examinados sistematicamente num livro que recomendo: Presidentes Governantes - Numa era de fragmentação e volatilidade políticas1, de Vitalino Canas. A tese central identifica uma tendência universal à unificação do poder político por meio da delegação de responsabilidades governamentais a órgãos unipessoais, sem necessariamente com prometer princípios democráticos.
O conceito fundamental de “sistemas de presidentes governantes” transcende a classificação tradicional de sistemas presidenciais, parlamentares e semipresidenciais. Esses sistemas são definidos pelo específico equilíbrio entre unidade e divisão do poder político, conferindo ao órgão presidencial papel primordial na conformação e execução das decisões fundamentais do Estado. A taxonomia proposta, por sua vez, estabelece três categorias principais: sistemas presidenciais propriamente ditos, sistemas híbridos de presidentes governantes constitucionalmente estabelecidos, e sistemas resultantes da mutação de outras formas.
A investigação comparativa empreendida por Canas abrange múltiplos sistemas presidenciais contemporâneos, analisando suas variações institucionais e adaptações às realidades locais. O caso brasileiro emerge como paradigma analítico significativo, evidenciando os desafios estruturais inerentes aos sistemas presidencialistas em contextos de alta complexidade sociopolítica: fragmentação partidária acentuada, imperativos coalizacionais permanentes, instabilidade política sistêmica e tensões interinstitucionais recorrentes.
No ordenamento constitucional brasileiro, o Poder Executivo apresenta natureza jurídica multifacetada, congregando funções de Estado e governo. O sistema caracteriza-se pela concentração de competências no órgão presidencial, manifestada por atribuições constitucionais amplas: representação internacional, direção administrativa superior, iniciativa legislativa, regulamentação normativa, gestão orçamentária e comando das Forças Armadas.
O “Presidencialismo de Coalizão”, constructo teórico elaborado por Sérgio Abranches, apresenta-se como resposta institucional à heterogeneidade sociopolítica e à estrutura federativa brasileira. Esse modelo caracteriza-se pela aparente contradição entre presidentes constitucionalmente fortes e politicamente dependentes de coalizões parlamentares. A governabilidade sistêmica é obtida mediante mecanismos institucionais específicos: centralização legislativa no Executivo, distribuição de cargos públicos e controle orçamentário.
A obra de Canas evidencia que, embora o caso brasileiro apresente singularidades institucionais próprias, os desafios enfrentados pelo sistema presidencialista nacional refletem tensões estruturais verificáveis em múltiplas jurisdições. A análise comparativa desenvolvida pelo autor demonstra que fenômenos como a fragmentação partidária, a necessidade de construção de maiorias parlamentares e as crises de governabilidade não constituem exclusividade do ordenamento constitucional brasileiro, mas manifestam-se, em diferentes graus e configurações, em diversos sistemas presidencialistas contemporâneos.
Em última análise, o trabalho de Canas estabelece-se como referência metodológica indispensável para a compreensão dos desafios contemporâneos da governança presidencial, oferecendo não apenas um diagnóstico preciso das patologias institucionais observáveis, mas também um instrumental analítico robusto para a elaboração de possíveis soluções institucionais. Uma proveitosa leitura.
* O livro Presidentes Governantes (Editora Forense/520 páginas) será lançado durante o XIII Fórum de Lisboa.
Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF); doutor em Direito pela Universidade de Münster, na Alemanha; professor de Direito Constitucional nos cursos de graduação e pós-graduação do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).