Portugal, Trump e o Atlântico

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A paz que a Europa conhece desde o fim da Segunda Guerra Mundial está intimamente ligada à promoção do crescimento económico, do desenvolvimento social e da democracia no espaço da União Europeia e à garantia de segurança que vai das fronteiras da Rússia até às costas do Canadá e dos Estados Unidos no Pacífico, alicerçada na NATO. Sem uma e outra, dificilmente poderíamos olhar para os quase 80 anos desde que guerra acabou na Europa e pensarmos que nenhum europeu morreu em guerras entre os Estados-membros da UE ou da NATO ou que assistiríamos à queda do Muro de Berlim, que marca o fim da separação da Europa em 1989 e à implosão da União Soviética em 1991 sem disparar um tiro. E a importância da NATO, que foi questionada após o reencontro da Europa e o fim da Guerra Fria, voltou a tornar-se óbvia na noite de 24 de fevereiro de 2022, quando a Rússia invadiu a Ucrânia.

Entre as vozes autorizadas que colocaram em questão a necessidade da NATO, conta-se o anterior presidente dos Estados Unidos, que parece não ter ficado impressionado com os recentes desenvolvimentos no Leste Europeu, uma vez que declarou recentemente que, caso seja eleito em novembro, os EUA não protegeriam os Aliados de um ataque de Moscovo e que poderia abandonar a Aliança se os membros não pagarem pela sua Defesa.

Como as ultimas sondagens colocam Trump e Biden num empate, com 44% e 43% dos votos respetivamente, a hipótese de Donald Trump regressar à Casa Branca em Janeiro de 2025 não pode ser ignorada.

Mesmo afastados da fronteira leste da NATO, a sobrevivência e saúde da Aliança Atlântica não é indiferente para Portugal. Somos um país europeu ocidental, atlântico, do universo da língua portuguesa e defensor do multilateralismo, que tem a capacidade de manter relações diplomáticas e de amizade com quase todos os países do mundo. Somos também parte da primeira linha da fronteira sul da NATO e da UE, onde temos assistido ao crescimento de ameaças e crises diversas, desde a incapacidade de gestão de vários Governos, o terrorismo, o impacto na segurança do desenvolvimento económico e social frágeis e das alterações climáticas, entre outras aflições, riscos e ameaças.

O que poderia Portugal fazer caso uma nova administração Trump questionasse a NATO e a relação transatlântica? Naturalmente não se espera nem se argumenta que tomássemos a liderança de um qualquer processo de redefinição das relações entre os Aliados ou que fossemos responsáveis por uma nova política para o Atlântico. No caso das relações entre os Aliados se tornarem mais complexas e difíceis, seria útil ou até necessário encontrarmos um mecanismo mais discreto e menos carregado politicamente para manter um diálogo construtivo entre todos. Esse mecanismo poderia ser o Atlantic Center.

Estabelecido por Portugal em 2021 e com sede na Ilha Terceira, o Atlantic Center contribui para o dialogo político, a investigação científica e a capacitação de defesa entre 21 dos 66 países que compõem a bacia norte e sul do Atlântico.

Portugal, com os seus limites e fragilidades, não tem nem capacidade nem vontade de impor nada a ninguém. Mas esse será, se bem utilizado, o nosso maior ativo diplomático: sermos um negociador honesto que sabe que o melhor resultado para todos é aquele em que todas as partes cedem um pouco, numa solução que permita avançarmos juntos. Nos Açores poderá estar, se necessário for, um mecanismo para discutirmos discretamente o futuro da NATO.

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