Portugal 'pop'

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A cultura americana invadiu o resto do planeta, graças a filmes pop de Schwarzenegger, Bruce Willis ou dos heróis da Marvel e não às custas da poesia transcendental e realista de Walt Whitman.

A cultura inglesa invadiu o resto do planeta através dos Beatles e das muitas bandas pop que se lhes seguiram e não à boleia das composições barrocas de Henry Purcell.

A cultura de um país, americana, inglesa ou outra, para chegar ao ponto de invadir as demais não se pode reduzir aos nichos que conhecem Whitman ou Purcell. Tem de atingir as massas e, para isso, tem de ser popular.

Transportando para a lusofonia, foi por serem populares que as telenovelas brasileiras invadiram os horários nobres das TV em Portugal e marcaram gerações seguidas de portugueses.

E se os filhos e netos daqueles portugueses hoje dizem bala em vez de rebuçado, é por causa do fenómeno, tão pop, dos YouTubers brasileiros que invadiram a internet.

Se a cultura portuguesa, entretanto, nunca invadiu o Brasil foi porque nunca produziu cultura pop em quantidades exportáveis. Camões, Pessoa ou Saramago, Amália, Carlos do Carmo ou Zeca Afonso são, como Whitman ou Purcell, consumidos por nichos.

A imagem pop de Portugal foi forjada, portanto, pelos próprios brasileiros: ao longo de décadas, os portugueses, para a maioria dos brasileiros, chamavam-se, das duas uma, ou Manel ou Jaquim, porque alguém popularizou essa ideia no Rio de Janeiro.

E diziam “ora pois” a cada frase, porque a caricatura de um português feita por um popular humorista brasileiro usava esse bordão.

Nos populares programas de domingo, como o animador Chacrinha convidava constantemente Roberto Leal para cantar uns viras abrasileirados, gerou-se no Brasil a convicção de que o cantor brega luso-brasileiro estava para a música portuguesa como Piaf para a francesa. A convicção era tanta que Scolari, quando foi selecionador português, pôs músicas de Leal a tocar no autocarro achando que dessa forma iria cativar os jogadores - quando viu o esgar de espanto e pavor no rosto de Figo e companhia, mudou logo de cassete.

Portugal é tão desconhecido no Brasil que os filmes e séries portugueses exigem legendas ou dobragens.

Não há então solução para a cultura portuguesa conseguir invadir um país quase 100 vezes maior em área e 21 vezes maior em população através da cultura popular. Até porque, em matéria de cultura popular - música, televisão, internet -, o Brasil é um produtor colossal e muito autossuficiente.

Não há? Não havia. Nos últimos anos, Portugal atingiu o Brasil ali mesmo no nervo da cultura popular brasileira: no futebol.

Hoje, em todas as TV lá estão os treinadores portugueses, o do Palmeiras, o do Botafogo, o do Cuiabá, o do Bragantino e o último que saiu e próximo que chegar, a dizer equipa, em vez de equipe, a falar do ambiente do balneário, em vez de vestiário, e a culpar tudo menos a si próprio, a começar pelo estado do relvado e não gramado, pela derrota.

Como os misters vão habituando os ouvidos brasileiros ao sotaque europeu da língua, os filmes e séries portugueses já não precisam de legendas e dublagens. E passaram a ser eles, e não Roberto Leal, a cara de Portugal.

Por causa deles, o povo entendeu que, por lá, até se podem usar bengalas, como o “pá”, mas que o tal “ora pois” é uma invenção. E agora, para os brasileiros, os portugueses, das três uma: ou se chamam Manel, Jaquim ou Abel.

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