Portugal poderá ter um papel na constituição de uma “coligação das democracias”

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Qualquer pessoa que se preocupe com a democracia, a diplomacia e a cooperação multilateral já andava aflita com o mundo há muito tempo. Mas, desde a tomada de posse do presidente Trump, essa pessoa terá acrescentado a descrença e até o desespero à aflição. De facto, as bases em que fomos construindo o sistema internacional, com todos os defeitos e virtudes, parecem agora postos em causa.

Em pouco mais de dois meses, Trump conseguiu reaproximar o Reino Unido da União Europeia e obrigar Bruxelas a repensar toda a sua política externa e de defesa. Mas a Europa, isoladamente, dificilmente conseguirá ocupar o espaço que Washington deixa vago ou posicionar-se como um ator relevante num sistema onde os Estados Unidos, a China (e em menor grau) a Rússia decidirão o futuro.

Nestes dois meses temos vindo a assistir ao surgimento do que o primeiro-ministro britânico chama a “coligação de vontades”: países do mundo inteiro que partilham as mesmas preocupações e que procuram construir uma resposta moderada que preserve o melhor que os últimos 80 anos nos deixaram. No entanto, e se as mudanças a que estamos a assistir se tornarem permanentes, a “coligação de vontades” não será suficiente e terá de dar lugar a uma “Coligação das Democracias” que tenha a capacidade de atuar nos três tabuleiros estratégicos ao mesmo tempo: na economia e comércio, na política externa e diplomática, e na política de defesa e de segurança.

A construção desta “Coligação das Democracias” significa juntar um conjunto de países que, embora partilhem princípios semelhantes, têm diferentes Histórias, realidades económicas e sociais, sistemas político-administrativos, tradições constitucionais e perceções sobre a organização da sociedade. Assim, a constituição de uma comunidade obriga a uma capacidade de ouvir e compreender as democracias dos cinco continentes e encontrar os mecanismos de cooperação e de funcionamento, onde os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento tenham um papel a desempenhar e onde as preocupações de uns e de outros sejam consideradas e respeitadas.

Por outras palavras, para que a “Coligação das Democracias” seja capaz de proteger os nossos interesses e os nosso princípios e seja relevante nos três tabuleiros, será necessário muita sensibilidade e muito bom senso na procura de soluções que permitam a todos conviverem debaixo do mesmo teto.

Essa capacidade de ouvir e compreender diferentes pontos de vista e procurar as soluções e construir pontes que, como se diz no nosso Ministério dos Negócios Estrangeiros, “deixem toda a gente ligeiramente infeliz”, mas que sejam aceitáveis, é reconhecidamente uma das grandes virtudes da nossa diplomacia e tem-nos servido bem ao longo dos 50 anos da nossa democracia. Aliás, e sem prejuízo para as respetivas qualidades pessoais de cada um, só uma diplomacia universalmente reconhecida e respeitada seria capaz de fazer eleger o presidente da Assembleia-Geral e o secretário-Geral da ONU e os presidentes da Comissão Europeia e do Conselho Europeu.

Acresce que a nossa capacidade de construir pontes na política externa não se manifesta só fora de portas. De facto, o posicionamento de Portugal no mundo e as nossas prioridades nas opções europeias, atlânticas e da língua portuguesa, no apoio e promoção do multilateralismo, a importância que reconhecemos à Diáspora e, mais recentemente, ao papel da diplomacia na promoção da internacionalização da nossa economia são património comum dos partidos do centro-esquerda e do centro-direita. Ou seja, são património da nossa democracia.

Professor Convidado IEP/UCP e NSL/UNL

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