Portugal, Macron e a crise na Europa
Antes de 24 de fevereiro, dia da fatídica invasão da Ucrânia pela Rússia, segundo um estudo de opinião encomendado pelo European Council on Foreign Relations, os portugueses encontravam-se entre os europeus menos inquietos com as intenções revisionistas da Rússia (apenas 12 por cento dos inquiridos portugueses o estavam).
Mas porque o deveriam estar? A sair de dois anos de uma pandemia com consequências pesadas sobre o país (e que ainda preocupa 40 por cento dos portugueses inquiridos), e de anos de crescimento económico anémico a confirmar sérias fragilidades estruturais (que aflige 38 por cento dos inquiridos nacionais), parecia óbvio que tinham mais com que se preocupar do que as idiossincrasias da liderança de Vladimir Putin. Além do mais, vivia-se o final prolongado de uma crise política interna que fez cair o governo, obrigou a eleições antecipadas e ainda à recontagem dos votos do círculo europeu. Acresce que a Rússia fica longe de Portugal e nunca esteve verdadeiramente no radar dos portugueses. Só que, entretanto, a Ucrânia é invadida, a segurança europeia é seriamente questionada, a NATO entra em alerta e o resto da Europa vê-se confrontado com a necessidade de responder. O que fazer? Como agir? Em que termos?
Na opinião dos portugueses - que, juntamente com os estónios, são os europeus inquiridos que mais positivamente vêm a UE (71 por cento) - é evidente que deve ser esta a desempenhar um papel central na crise. Acontece que a liderança do conselho da UE pertence atualmente à França que, por sua vez, vive um intenso período de eleições presidenciais. Parece, portanto, relevante saber como é que os europeus, incluindo os portugueses, percepcionam a presidência francesa, que enfrenta neste momento o duplo desafio da condução da resposta europeia à guerra no continente, ao mesmo tempo que vai a votos em casa. No já mencionado estudo do ECFR, publicado há poucas semanas, as autoras Susi Denninson e Tara Varda analisam precisamente as expectativas dos europeus sobre o potencial da liderança francesa na confluência dos desafios europeu e nacional. Ora, é interessante notar como nesta matéria a posição dos portugueses é paradoxal.
Tal como os alemães e os gregos, os portugueses (51 por cento) distinguem-se como estando entre os europeus que mais confiam no protagonismo francês quando se trata de proteger os interesses europeus, quer no domínio da democracia, quer no da segurança e da defesa. Aliás, no que toca à salvaguarda dos valores democráticos e do Estado de Direito, os inquiridos portugueses mostram-se mesmo dos mais duros, porque favoráveis a que os países membros infratores possam ser penalizados na atribuição dos fundos europeus e ver suspensos os seus direitos de voto. Quanto à proposta veiculada nos últimos anos pelo presidente Macron, de que a Europa deve ser mais soberana, isto é, mais autónoma do ponto de vista estratégico, os portugueses também dão o seu apoio, inclusive através do reforço das capacidades militares.
E, no entanto, já não se mostram propriamente confiantes no que toca ao modo como a liderança francesa poderá gerir os interesses europeus vis-à-vis a Rússia e a China. Esta é igualmente uma posição maioritariamente assumida pelos inquiridos dos outros países, à exceção da Dinamarca. Numa perspetiva nacional, que leitura poderemos fazer sobre estes dados, sobretudo no delicado contexto que a Europa atravessa? Provavelmente, que os portugueses reconhecem que as ideias e as propostas avançadas pela presidência francesa são boas, mas também que a sua implementação não deve ser determinada pela liderança da própria França ou quiçá, mais particularmente, de Macron. Mas porquê? A resposta geral
dos europeus, e que os portugueses parecem partilhar, é que os franceses põem sempre em primeiro lugar o seu interesse nacional. Podem ter bons propósitos, mas estes acabam sempre por servir a própria França sobre o interesse europeu. No caso português, talvez se deva acrescentar que esta opinião se explica também por a perspetiva nacional ser um pouco mais atlântica, e que, apesar de tudo, a NATO continua a ser a aliança estratégica fundamental do país.
Em que confiam então os portugueses no que diz respeito à liderança francesa? Na agenda económica e social, nomeadamente na eurozona e, especialmente, nas suas prioridades em matéria de cooperação fiscal e na defesa de um ordenado mínimo europeu (74 por cento dos inquiridos nacionais apoiam o protagonismo de Macron nesta questão). Claro que isto diz mais sobre Portugal do que sobre França ou sobre quem estiver no Eliseu. Aliás, quando questionados sobre o que acham do sistema político francês, os portugueses mostram-se muito divididos na sua opinião, não concordando sobre se este funciona bem ou mal, nem sobre o papel que a França desempenha atualmente na UE.
Pelo contrário, a impressão que as respostas portuguesas dão é a de uma grande indiferença relativamente àquele país e ao protagonismo que tem vindo a querer assumir na Europa, sobretudo em tempos pós-Merkel, pós-Brexit e pós-Trump. E é pena, pois a situação que se vive atualmente na Europa devia ser um incentivo para que os países do continente levem a sério o futuro da UE, as suas lideranças e o seu poder.
Professora e Investigadora na Universidade Católica e Investigadora Associada no European Council on Foreign Relations (ECFR).