Portfolio para uma abordagem alargada da segurança nacional

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Como membro da comissão, composta por 21 personalidades nacionais, que em 2023 fez a revisão do Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN) e elaborou a proposta de Grandes Opções do CEDN incorporando as novas realidades da segurança global e regional, em particular aquelas que afetam a segurança do continente europeu, defendi uma abordagem alargada do conceito “segurança”, como patamar superior e integrador dos fundamentos da segurança interna e externa (englobando a defesa) do Estado Português na atualidade.

A segurança assim considerada consubstancia um fim teleológico do Estado, pois assume que a principal função de uma entidade territorial e política soberana é garantir a segurança e a proteção de seus cidadãos, bem como manter a ordem pública e a estabilidade dentro de seu território, sendo essencial para o bem-estar e o desenvolvimento da sociedade, pois sem ela seria impraticável garantir outros direitos e liberdades fundamentais. Assim, a segurança é um objetivo final do Estado, uma vez que todas as outras funções e atividades são, em última análise, direcionadas para assegurar a segurança dos cidadãos. Isso inclui a proteção contra ameaças internas e externas, a manutenção da lei e da ordem, a defesa nacional, a segurança pública e as questões relacionadas com a proteção e bem-estar das pessoas. Portanto, a segurança como fim teleológico do Estado, reflete a ideia de que a principal responsabilidade de um Governo é garantir a segurança de seus cidadãos e da sociedade como um todo, criando as condições necessárias para o progresso, o desenvolvimento e o bem-estar de forma pacífica e organizada.

Um país democrático como Portugal, deve garantir uma abordagem securitária discreta, mas percetível, eficaz e pautada pelos princípios democráticos, respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades individuais. Este tipo de abordagem deve comportar um conjunto de garantias que defendam os valores da cidadania democrática:
• A garantia que todas as medidas de segurança adotadas estejam em conformidade com os direitos humanos, incluindo o direito à vida, à liberdade, à privacidade e à segurança;
• A garantia que as políticas de segurança são transparentes e sujeitas escrutínio perante a sociedade e as instituições democráticas, como a Assembleia da República;
• A garantia que as Forças e Serviços de Segurança devem estar sujeitas ao controle democrático e operar dentro dos limites estabelecidos pela Lei e pela Constituição;
• A garantia que o Estado promove o diálogo e a cooperação entre diferentes forças, serviços e agências de segurança, bem como com outros países e organizações internacionais, para enfrentar as ameaças de forma eficaz e eficiente;
• A garantia que o Estado adota políticas de prevenção e combate ao terrorismo e ao crime organizado, sem comprometer os direitos fundamentais dos cidadãos.

Outro aspeto fundamental no caminho de um conceito alargado de segurança, é no plano interno integrar os conceitos de “security” e “safety” (vocábulos anglo-saxónicos que poderíamos traduzir, de forma redutora, em “segurança interna” e “proteção e socorro”), numa abordagem ampliada da segurança como um dos fins do moderno Estado democrático, fundamental para garantir uma proteção abrangente e eficaz dos cidadãos e da sociedade como um todo. O conceito de “security” referindo-se ao conjunto de medidas, políticas e ações tomadas por um estado para proteger a sua população, os seus bens e as suas instituições contra ações de indivíduos ou grupos que buscam causar danos à sociedade, à ordem pública e à segurança nacional, que podem incluir uma ampla gama de atividades como a criminalidade, terrorismo, ciberataques e outros tipos de ocorrências, e o conceito de “safety” referindo-se à proteção das pessoas contra perigos, riscos e ameaças que possam surgir no dia a dia, como acidentes, desastres decorrentes de eventos naturais, problemas de saúde pública, entre outros e que envolve a prevenção e a resposta a eventos não intencionais que possam causar danos às pessoas, à propriedades e ao meio ambiente.

Para integrar esses dois conceitos numa abordagem alargada da segurança nacional, é importante adotar uma visão holística e abrangente que pode ser feito por meio das seguintes estratégias:
• Abordagem integrada que desenvolva políticas de segurança que considerem tanto os aspetos de “safety” quanto os de “security”, garantindo a proteção abrangente dos cidadãos e da sociedade em todas as suas dimensões;
• Cooperação e coordenação entre diferentes agências e setores envolvidos na segurança, incluindo autoridades de segurança pública, agências de proteção civil, setor de saúde, entre outros, para garantir uma resposta integrada e eficaz a diferentes tipos de ameaças;
• Investimento em medidas tendentes a prevenir e preparar as respostas a ameaças, sejam elas, acidentais ou deliberadas, para mitigar os riscos e proteger a sociedade de forma proativa.

Olhando para o horizonte de eventos e tentado vislumbrar uma perspetiva futura de um conceito alargado de segurança nacional importa que se faça um esforço de coordenação que envolva as esferas da Defesa Nacional e da Segurança Interna, numa perspetiva de complementaridade, supletividade e subsidiariedade de duplo sentido (conforme os cenários), considerando os seguintes fatores e tendências:
• Ameaças híbridas e complexas: As ameaças à segurança nacional têm evoluído no sentido de se tornarem mais híbridas e complexas, combinando elementos do espectro da guerra, ciberataques, desinformação e terrorismo. Portugal precisará de continuar a desenvolver capacidades para lidar com estas ameaças multifacetadas, integrando recursos e estratégias de defesa e segurança interna;
• Cibersegurança: A proteção contra ciberataques será uma prioridade crescente. Investimentos em ciberdefesa, formação de especialistas e colaboração internacional serão cruciais para proteger infraestruturas críticas e dados sensíveis;
• Colaboração internacional e regional: A cooperação com outros estados membros da União Europeia e a NATO será essencial. Portugal deverá continuar a participar em missões internacionais, partilhar informações e adotar padrões comuns de segurança e defesa;
• Coordenação de capacidades das Forças Armadas e das Forças e Serviços de Segurança: A coordenação entre as Forças Armadas e as Forças e Serviços de Segurança deve ser aperfeiçoada para responder de forma eficaz a crises nacionais e internacionais e situar-se ao nível mais elevado da governação do Estado;
• Resiliência e preparação contra as crises: A construção de resiliência contra desastres naturais, pandemias e crises de grande escala será uma componente chave. Planos de contingência, exercícios regulares e a capacidade de resposta rápida são essenciais;
• Tecnologia e inovação: A adoção de novas tecnologias, incluindo inteligência artificial, drones e sistemas de vigilância avançados, pode melhorar significativamente a capacidade de monitorização e resposta a ameaças;
• Segurança energética e ambiental: As questões de segurança energética e as mudanças climáticas terão um impacto direto na segurança nacional. A transição para fontes de energia renováveis e a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas serão importantes para garantir a manutenção dos recursos e a segurança a longo prazo;
• Comunicação e Transparência: A manutenção da confiança pública é vital. As políticas de segurança devem ser transparentes, envolventes e explicadas através de informação pública, garantindo que os direitos cívicos e as liberdades e garantias sejam respeitados, mesmo quando se tomam medidas de segurança que sejam mais percetíveis e impactantes;
• Educação, formação e cidadania: A formação contínua dos profissionais de segurança e defesa, assim como a educação da população sobre questões de segurança e cidadania, contribuirão para uma sociedade mais preparada e resiliente;
• Integração multissetorial: A abordagem de segurança deve ser multissetorial, envolvendo não apenas instituições militares e de segurança, mas também entidades civis, o setor privado e a sociedade civil, garantindo uma abordagem holística e inclusiva e uma proteção às pessoas que queiram viver em Portugal, garantindo a liberdade de circulação internacional, mas também o controle dessa mesma circulação no momento da entrada em território nacional.

Por tudo o que foi referido, seria útil um documento enquadrador que apontasse para um conceito estratégico de segurança nacional indicando caminhos para proteger a soberania e a integridade do país e dos seus sistemas e cadeias de valor, contra riscos e sobretudo ameaças externas e internas, que permitisse um planeamento coordenado e eficaz entre diversas agências, organizações e instituições, garantindo uma resposta unificada e eficiente a ameaças complexas, que ajudasse a identificar e avaliar ameaças potenciais, fossem elas militares, económicas, cibernéticas, ambientais ou de outra natureza, que orientasse a alocação de recursos de forma eficiente, priorizando áreas críticas, que contribuísse com diretrizes macro para a estabilidade interna, criando um ambiente seguro que favoreça o desenvolvimento económico e social, que reforçasse a posição do país no cenário internacional, demonstrando um compromisso com a segurança global e a cooperação internacional e que assegurasse a proteção de interesses estratégicos nacionais, incluindo recursos naturais, infraestruturas críticas e as pessoas.

Em resumo, a perspetiva para a segurança nacional olhando para o futuro, envolve uma abordagem integrada, centralizada e abrangente, capaz de responder de forma eficaz e coordenada às ameaças contemporâneas e futuras, enquanto promove a cooperação internacional e a resiliência interna, mantendo assim os índices de segurança interna que nos tem caracterizado. E numa abordagem de cidadania, é fundamental perceber que cada cidadão, com o seu comportamento e conduta, é um elemento fundamental na segurança da comunidade potenciando a criação de um ambiente seguro e acolhedor para todos. E penso que este é o “end-state” que todos aspiramos.


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