Por uma gestão racional das nossas florestas
O cenário repete-se todos os anos. Com as temperaturas elevadas, chegam os fogos florestais, que ceifam vidas e destroem propriedades e ecossistemas. Este ano não foi exceção, apesar de o flagelo apenas ter chegado em força em pleno mês de setembro. E, também todos os anos, sucedem-se os planos de prevenção, os diagnósticos e o debate sobre a forma como os fogos devem ser combatidos.
É bom notar que Portugal não é o único país onde os fogos florestais se estão a tornar um problema cada vez mais sério. Países como a Espanha, a Itália, a Grécia e a França têm assistido a um fenómeno idêntico. E o que têm em comum com Portugal? Têm vastas áreas florestais que não são objeto de exploração económica, o que faz com que, durante anos, ali se acumulem muitas toneladas de materiais inflamáveis, que cedo ou tarde se tornam pasto das chamas e assim ciclicamente.
Em Portugal, durante séculos as florestas foram imprescindíveis para a subsistência das populações, que ali obtinham materiais de que necessitavam para uso doméstico ou para a pecuária. As matas, sobretudo nas imediações das localidades, eram limpas porque as pessoas precisavam de o fazer para sobreviver. Porém, hoje não existem incentivos para que se faça essa limpeza, com exceção das coimas que eventualmente possam ser aplicadas a quem não limpar as suas.
O facto de uma boa parte do território ser composto por muitos milhares de minifúndios sem viabilidade económica dificulta ainda mais essa gestão dos recursos florestais, bem como a desertificação das zonas rurais do interior, que se tornou evidente a partir dos Anos 60 do século passado. Em suma, uma boa parte do nosso território poderia ser comparado a um vasto imóvel devoluto que, deixado ao abandono e perante certas condições climatéricas, se tornará presa fácil das chamas.
O mesmo sucede em países como os Estados Unidos, a Austrália, o Canadá e a Rússia, que têm grandes manchas de floresta ainda quase intocada pelos seres humanos e onde nunca ocorreu essa limpeza das matas, e que têm também assistido a um aumento do número de incêndios. Nestas regiões do globo, os fogos sempre foram parte da ordem natural das coisas, desempenhando um papel na renovação das florestas, de x em x anos. Porém, hoje são mais frequentes e os cientistas explicam-nos com as alterações climáticas, que geram ondas de calor e períodos de seca que favorem a ignição.
Perante isto, Portugal não tem à disposição uma receita ideal para enfrentar o flagelo. Podemos, no entanto, minorar os seus efeitos. A prevenção é importante, sobretudo nas imediações das povoações, mas as florestas estão repletas de materiais inflamáveis e as alterações climáticas vão continuar. Parte da solução poderia passar por uma estratégia para uma gestão racional das florestas, por exemplo aproveitando a biomassa ali acumulada para produzir energia, até porque Portugal não é a Austrália e as suas florestas são mais fáceis de gerir.
Precisamos também de avaliar se as espécies de vegetação existentes são as mais indicadas para esta nova realidade e, se necessário, rever a estrutura de propriedade da nossa floresta, uma vez que temos centenas de milhares de pequenas propriedades abandonadas.
Em suma, este é um vespeiro onde poucos políticos quererão entrar. Haverá coragem para tomar as medidas necessárias?
Diretor do Diário de Notícias