Por que tem Marcelo medo das eleições americanas?

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O Presidente da República comunicou aos portugueses, no primeiro dia do ano, que devem, do ponto de vista político, focar-se em três eleições: as regionais dos Açores (em fevereiro), as legislativas (março) e as europeias (junho). Mas juntou esta frase sobre um outro ato eleitoral onde portugueses não votam: “Ficou claro que deveríamos estar todos atentos às eleições americanas de novembro. Para percebermos como vai ser o tempo imediato no mundo. Nas guerras, como na economia”, disse Marcelo Rebelo de Sousa.

A 14 de outubro de 2023 o presidente Joe Biden, em resposta a uma pergunta de um jornalista sobre se o seu país era capaz de lidar com duas guerras ao mesmo tempo, a da Ucrânia e a de Israel, disparou esta frase: “Somos os Estados Unidos da América, por amor de Deus! A nação mais poderosa na História do Mundo. Conseguimos lidar com as duas e manter a nossa defesa internacional.”

A simples ideia de que a república norte-americana é mais poderosa do que foram os grandes impérios militares e/ou coloniais da História (egípcios, romanos, chineses, mongóis, persas, árabes ou, até, os dos espanhóis, portugueses ou britânicos) deveria ser algo afastado do cérebro e da linguagem política de qualquer dirigente do século XXI que acreditasse (como os presidentes norte-americanos, todos, juram acreditar) no primado da paz, da cooperação, da liberdade, da amizade entre povos e das relações internacionais equilibradas e justas.

Porém, como esta frase significativamente demonstra, não é assim que o líder da “nação mais poderosa na História do Mundo” pensa: para ele, lidar com duas guerras com o impacto destas é algo mais ou menos banal, é uma espécie de função inerente ao cargo, é uma parte do trabalho.

Todas as nações que dominaram grandes territórios do planeta foram opressoras e, com esta frase, Joe Biden, ao sublinhar que o seu país as supera em poder, identifica-se com o lado de quem manda como quer, de quem protege apenas quem quiser, no pressuposto de aceitação de um regime de vassalagem, de uma “ordem internacional baseada em regras” que os EUA ditam e citam como “mantra”, num processo semelhante, por exemplo, ao dos romanos de há dois mil anos, quando enunciavam a sua pax romana para subjugar o mundo que conheciam.

O problema é o resto do mundo conformar-se, ou não, com este domínio e aceitar que a “nação mais poderosa da História do Mundo” faça o que está a fazer na Ucrânia e no Médio Oriente.

Na Ucrânia, os Estados Unidos fomentaram, durante anos, a instabilidade política no país e preparam o ambiente para a guerra, contribuíram para a escalada do conflito após a invasão russa, sabotaram ou foram indiferentes a todas as pequenas oportunidades para a paz que se tentaram abrir.

Agora, por interesse político interno, pelo conflito republicanos/democratas, o apoio militar à Ucrânia arrisca-se a ser drasticamente diminuído, deixando os cacos dessa geopolítica para a Ucrânia e para a subserviente União Europeia limparem, à custa de inúmeras vidas humanas e de uma degradação política, económica e social generalizada.

No Médio Oriente os Estados Unidos assistem e tacitamente aceitam que Israel efetue um processo de eliminação de dezenas de milhar de civis palestinianos, num ato bárbaro que já ninguém percebe onde é que se distingue deste tenebroso qualificativo: “genocídio”.

O nosso Presidente da República está, e bem, preocupado com o resultado das eleições norte-americanas.

Imaginando que a disputa será outra vez entre Joe Biden e Donald Trump, como é provável - e pressupondo que, seja qual for o resultado, os Estados Unidos não implodem numa Guerra Civil (a polarização brutal do confronto político na nação “mais poderosa na história” já leva muita gente a admitir isso) - a pergunta que faço é esta: para o mundo, fará mesmo grande diferença ter Biden ou Trump no poder? 

Infelizmente, está a “ficar claro”, são os dois péssimos - por exemplo, ambos parecem aceitar muito bem a possibilidade de provocar uma guerra com a China, o que seria uma desgraça para toda a humanidade!

E nós, que não votamos lá, amargamos com o resultado das eleições norte-americanas (e cito Marcelo) tanto “nas guerras como na economia”... O mundo precisa mesmo de mudar.


Jornalista

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