Por que ainda celebramos o dia da mulher
Há quase 2500 anos, na tragédia grega Antígona, Ismênia tentava convencer a sua irmã, a protagonista Antígona, de que seria melhor obedecer à lei imposta pelo tio. De entre os vários argumentos, invocava o de serem mulheres e como tal não poderem lutar contra os homens e as suas imposições. Antígona pagou a desobediência com a morte. O texto de Sófocles levanta muitas e interessantes questões e uma é sem dúvida a da incapacidade das mulheres numa sociedade dominada pelo poder dos homens.
Diremos que hoje já não é assim, que a igualdade de direitos está prevista na Declaração Universal dos Direitos Humanos e as Constituições e leis da generalidade dos Estados assim o preveem. Porém, o tema está longe de esgotado. Como mulher, continuo a agradecer todos os dias viver nesta parte do mundo que, pelo menos na lei, alcançou um larguíssimo consenso segundo o qual mulheres e homens fazem parte da sociedade em pé de igualdade e para ela devem também poder contribuir, em todos os seus setores, em pé de igualdade. Infelizmente, não é assim em muitas partes do mundo. A pensar nessas raparigas e mulheres que todos os dias são desconsideradas, devemos continuar a celebrar este dia da mulher e a batalhar para que os seus direitos sejam reconhecidos.
Mas mesmo aqui, em Portugal e na Europa, a realidade mostra-nos como a igualdade aos olhos da lei está ainda muito longe da igualdade verdadeira. Isso é visível, nomeadamente, nos salários mais baixos das mulheres, no tempo muito superior que as mulheres despendem a cuidar da casa e dos filhos para além do trabalho fora de casa, nas dificuldades em aceder ou a manter um emprego, porque a gravidez e os filhos continuam a ser considerados um fardo para a mulher com potencial prejuízo para o seu desempenho profissional. As explicações sociológicas são muitas e as políticas públicas têm-se empenhado, década após década, em corrigir os fatores de discriminação, mas o progresso é lento.
Se tivesse de indicar apenas um, apenas um fator que poderia induzir uma mudança mais rápida, seria este: tornar igual o tempo de licença de maternidade e paternidade. Dirão que é drástico, concedo, que melhor seria irmos por uma partilha natural e progressiva das responsabilidades parentais entre pai e mãe, concordo em tese. Mas, a bem do equilíbrio da sociedade e da libertação da força criadora e produtiva de mulheres e homens, devemos usar ferramentas mais eficazes. Só assim as mulheres não terão um rótulo discriminatório e só assim a sociedade assumirá que mulheres e homens têm a responsabilidade conjunta de tratar dos filhos, com tudo o que isso implica.
A minha filha mais nova tem sete anos e há uns tempos, numa mesa com amigos da mesma idade, um dos amigos insurgia-se contra o facto de as meninas serem servidas em primeiro lugar. À resposta de que era uma questão de boa educação e delicadeza atirou, irritado, que os homens eram tão bons quanto as mulheres e que conseguiam fazer todas as coisas que elas faziam. Se isto significa que para esta geração já há quem sinta que o problema se pode colocar ao contrário, não deixa de ser interessante e sintomático. Bem gostaria que quando chegasse à idade adulta já não fizesse qualquer sentido falar em quotas ou obrigatoriedades. Porém, na qualidade de mãe de duas filhas e dois filhos, tendo a pensar se hoje as quotas servem para as proteger a elas, amanhã talvez sirvam para os proteger a eles.
Professora da Nova School of Law. Coordenadora do Mestrado em Direito e Economia do Mar