Por esta ponte abaixo
Em Cidade Ademar, na Grande São Paulo, quatro polícias do 24.º Batalhão de Diadema abordam um homem numa mota em cima de uma ponte sobre um rio. Um dos agentes levanta a mota, que está no chão, e encosta-a à ponte, vê-se num vídeo. Outros dois aproximam-se. E um quarto chega, trazendo o homem pela mão. Este polícia puxa o homem pela camisa, que parece baixo e leve, e atira-o ponte abaixo, como lixo, para o rio. O cidadão bateu com a cabeça na margem de uma altura de três metros, não há mais informações sobre o seu estado clínico.
De acordo com a imprensa, o homem fugira de uma abordagem policial.
Nas câmaras de vigilância de um supermercado do bairro Jardim Prudência, na zona Sul de São Paulo, Gabriel Soares é visto a pegar detergentes, primeiro, e a escapar do estabelecimento de seguida. Como tropeça e cai ao sair, dá tempo para um homem, à paisana, disparar 11 vezes nas costas do rapaz.
Gabriel era toxicodependente e o homem à paisana um polícia de folga.
Noutro vídeo, crianças gritam para um carro que passa, em Itanhaém, no litoral de São Paulo, avisando de qualquer problema no pisca. O condutor, um sargento reformado da Polícia Militar, para o carro e começa a disparar na direção das crianças.
Nenhuma se feriu e o ex-polícia não foi preso.
Marco Cárdenas, um estudante do 3.º ano de Medicina sai de um hotel, altas horas da noite, em tronco nu, aparentemente alcoolizado ou sob o efeito de drogas, e bate com a mão no retrovisor de um carro da polícia. Vendo os guardas correrem atrás dele, reentra no hotel e resiste por instantes à prisão. Mesmo desarmado, é logo alvejado por um dos polícias no abdómen e morre.
No hotel, Marco estava com uma mulher que alegou ter ido cobrar uma dívida, o que o tornara agressivo.
Estes casos não fazem parte de uma perseverante pesquisa do colunista - não, três deles passaram em sequência, no mesmo dia, em noticiários da GloboNews, da CNN Brasil e de outras das principais emissoras de notícias do país porque aconteceram no intervalo de horas, e outro ocorreu semanas antes.
Assustado com a repercussão, Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, o Estado onde as mortes aconteceram, lançou uma nota: “Aquele que atira pelas costas, aquele que chega ao absurdo de jogar uma pessoa de uma ponte, evidentemente não está à altura de usar a farda.”
Tarcísio, é verdade, não matou ninguém pelas costas. Nem mandou nenhuma pessoa, ponte abaixo, para a morte. Mas as palavras também matam. A propósito da operação policial no litoral paulista que matou 57 pessoas nos dois primeiros meses de 2024 (ao longo do ano a polícia paulista matou 595 pessoas), o suposto candidato bolsonarista à Presidência do Brasil em 2026 mandou quem se queixasse da violência do Estado “ir à ONU, ir à Liga da Justiça, ir ao raio que o parta que eu não estou nem aí”.
Com uma destas, não há polícia que não se sinta legitimado a fazer o que lhe der na cabeça.