Política sem nada na cabeça

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Diz-se no Brasil que o brasileiro pobre que ser de classe média, que o brasileiro de classe média quer ser rico, que o brasileiro rico quer ser milionário e que o brasileiro milionário quer ser americano. Suposto herdeiro, já no ano que vem ou daqui a cinco, do espólio eleitoral de Jair Bolsonaro, Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, será apenas rico mas, talvez por ter à disposição o orçamento milionário do estado que dirige, já anda fascinado com os EUA.

Vai daí, após ouvir pontas-de-lança da extrema-direita brasileira acusá-lo de ser um moderado, para não deixar escapar das mãos o espólio bolsonarista acima citado, comprou logo o boné encarnado com a inscrição Make America Great Again, célebre slogan do republicano Donald Trump e dos seus rednecks amestrados.

Alexandre Padilha, ministro da Saúde de Lula da Silva, começou então a usar, por sugestão, segundo o próprio, de moradores da carente zona sul da cidade de São Paulo, um boné azul - a cor dos democratas - com o novo lema do governo, criado por Sidônio Palmeira, ministro da Comunicação: “O Brasil é dos Brasileiros”.

Estava dado o pontapé de saída para aquilo a que a imprensa local chamou de “batalha dos bonés”, um adereço que é, também, uma invenção americana, do fim do século XIX, para proteger a cabeça dos jogadores de basebol do sol do verão do hemisfério norte.

Quando uma batalha é tonta e inconsequente, os bolsonaristas sentem-se, como nunca, em casa. Motivadíssimos, encomendaram então milhares de bonés, em tom verde e amarelo, porque são muito patriotas, segundo os próprios, ou patriotários, segundo os demais, com a frase “comida barata novamente, Bolsonaro 2026”, aludindo ao político que está inelegível até 2030.

Ainda à direita, os bonés com um “M” usados por apoiantes de Pablo Marçal, um coach tragicómico que quase chegou à segunda volta na eleição municipal de São Paulo de 2024, tornaram-se uma febre. 

O boné vermelho vivo com as iniciais MST (de Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) é um sucesso entre esquerdistas clássicos; entre os esquerdistas woke viralizou o boné com a inscrição “A Vida Presta”, frase da atriz Fernanda Torres após ser nomeada para um Óscar, porque até essa faixa tão progressista da população importa os movimentos norte-americanos, como a causa woke, e se rende submissa aos caprichos de Hollywood, como a atribuição dos Óscares.

Às tantas, Hugo Motta, o novo presidente da Câmara dos Deputados, ao ver a maioria dos parlamentares no espaço fechado que dirige com o acessório na cabeça, viu-se obrigado a dizer que “boné serve para proteger do sol, não para resolver os problemas do país”.

E um cientista político, Eduardo Brin, da Fundação Getúlio Vargas, acrescentou, em entrevista à CNN Brasil, que “a batalha dos bonés revela muito da pobreza do debate na política brasileira e terá durabilidade pequena”.

Por outras palavras, é fazer política sem nada na cabeça. 

Jornalista, correspondente em São Paulo

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