Podemos confiar nos políticos com imobiliárias?

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O Bloco de Esquerda meteu os pés pelas mãos quando acusou a ministra da Cultura, o seu secretário de Estado e a secretária de Estado da Habitação de terem participação em empresas de imobiliário, juntamente com outros membros do Governo e 20 deputados. O partido merece ser criticado por esse erro.

Nos comunicados em que cada um dos três envolvidos se defende é dito que o erro dos bloquistas constitui, e cito, “uma difamação”.

Para um erro numa acusação se transformar em difamação tal significa, necessariamente, que o teor desse erro envolve a tentativa de associar o alvo dessa acusação à prática de algo ilegal ou imoral - se assim não fosse, não passava de má informação ou de má propaganda, mas sem efeitos na reputação das pessoas, afetando apenas a credibilidade de quem divulgava tais erros.

Isso significa que Dalila Rodrigues, Alberto Santos e Patrícia Gonçalves Costa consideram que serem acusadas de serem governantes com empresas no setor imobiliário afeta a sua reputação. Não quiseram ser misturados na salsada em que outros colegas de Governo estão metidos por causa da Lei dos Solos - e fizeram bem.

Mas essa posição contraria a defesa dos muitos que têm aparecido a dizer que é impossível, é normal e até desejável que os políticos que chegam a cargos executivos ou legislativos tenham participações relevantes em empresas imobiliárias ou outras, que não há incompatibilidade alguma, que é tudo feito na maior das inocências.

Nessa tese tão cândida há, no mínimo dos mínimos, um problema: a quantidade excessiva.

Tivemos Luís Montenegro, o primeiro-ministro, a ir ao Parlamento dar explicações sobre uma empresa que pode negociar na área do imobiliário e cuja quota ele passou para a mulher antes de ser líder do PSD.

O ministro Castro Almeida vendeu em janeiro a participação que tinha noutra imobiliária.

A ministra Rita Júdice é sócia de várias empresas dessas, mas acha que não há incompatibilidade.

A ministra Palma Ramalho também tem quota noutra imobiliária.

E o secretário de Estado Hernâni Dias demitiu-se porque criou duas empresas desse tipo estando já no Governo.

Tivemos, no sábado passado, via site Página Um, a informação de que o próprio presidente da Assembleia da República, Aguiar Branco, e o líder do grupo parlamentar do PSD, Hugo Soares, têm participações relevantes em empresas de imobiliário.

O mesmo site aponta ainda situações semelhantes a mais 11 deputados do PSD, o que bate certo com as acusações do Bloco de Esquerda, que juntou à lista mais quatro deputados do Chega (na verdade parece que são três) e outros três do PS. O Bloco ainda acusou do mesmo outros quatro secretários de Estado mas, até agora, apenas um, o secretário de Estado da Economia, João Gomes Ferreira, negou a acusação.

Fazendo as contas e dando o devido desconto aos erros cometidos, a conclusão é inevitável: há demasiada gente no Governo ou em posições influentes na Assembleia da República que esteve ou está ligada a empresas de imobiliário - e falta ver como era a situação nos Governos de Passos e Costa, quando essa crise explodiu...

Num país em que a especulação imobiliária criou ou agravou a crise na habitação, podemos confiar na lucidez das decisões de tantos políticos colocados em lugares-chave do processo decisório nesta área e que têm, ou tiveram até há pouco tempo, ligações relevantes a interesses imobiliários, particulares ou corporativos?... Duvido.

Jornalista

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