Plataformas para que vos quero

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Diretamente do produtor para o consumidor" é uma daquelas frases que nunca chegam a ser publicidade enganosa de tão cândidas que são. Todos usamos intermediários para comprar e vender produtos e, cada vez mais, serviços. Intermediários físicos, certo, mas crescentemente intermediários digitais. E seguramente todos temos grande apreço por essa facilitação. E dependência.

Sendo hoje possível adquirir praticamente qualquer produto ou serviço online a qualquer hora e em qualquer lugar (em 2018, segundo a Comissão Europeia*, 44,8% dos portugueses fizeram compras online, número que ficou muito aquém da média da UE (72%), e que a pandemia multiplicou exponencialmente), a preocupação com a intermediação foi levando a um aprofundamento da proteção do consumidor, em primeiro lugar, mas cada vez mais dos"produtores".

Por isso, desde 12 de julho de 2020 é aplicável em toda a UE um regulamento "relativo à promoção da equidade e da transparência para os utilizadores profissionais de serviços de intermediação em linha", isto é, aplica-se de forma automática, uniforme e vinculativa em toda a UE um ato jurídico que rege as relações entre plataformas online (serviços de intermediação em linha e motores de pesquisa em linha), independentemente do local de estabelecimento ou residência das mesmas e do direito aplicável, e utilizadores profissionais/empresas cujo local de estabelecimento ou residência se encontre na União, desde que os bens ou serviços sejam propostos a consumidores também aqui localizados, por intermédio daquelas plataformas.

Sublinhe-se que este regulamento não visa proteger os consumidores, sim os operadores económicos que produzem os bens ou serviços e que usam os intermediários para a sua venda. E esses o que querem, em última análise, é vender mais com menos custos de intermediação.

Ler os 52 considerandos que justificam a intervenção do Parlamento Europeu e do Conselho neste domínio é (para lá de uma prova de força) profundamente elucidativo e cristalino relativamente às virtudes e muitos defeitos e perigos que esses facilitadores de negócio significam.

Porque este tema dá pano para mangas, proponho-me começar nesta crónica pelo enquadramento, e nas seguintes pelas soluções desenhadas, designadamente em Portugal, que têm impacto na relação entre operadores de turismo e a maior e mais importante plataforma de distribuição turística - Booking.com.

Respigo dos considerandos do regulamento as mais eloquentes manifestações da relação "amor-ódio" com as plataformas. Afirma-se que "os serviços de intermediação em linha são facilitadores essenciais do empreendedorismo e de novos modelos de negócio, do comércio e da inovação (...) e são cada vez mais utilizados tanto pelo setor público como pelo setor privado"; que "os serviços de intermediação em linha podem ser cruciais para o sucesso comercial das empresas que utilizam estes serviços para chegar aos consumidores "; e porque "podem afetar significativamente o sucesso comercial de utilizadores (...), a classificação dos sítios internet por parte dos fornecedores de motores de pesquisa (...) possui um impacto importante na escolha do consumidor e no sucesso comercial desses utilizadores de sítios internet de empresas. Assim, mesmo na falta de uma relação contratual com os utilizadores de sítios internet de empresas, os fornecedores de motores de pesquisa em linha podem, efetivamente, agir de uma forma unilateral, que pode ser injusta e prejudicial para os interesses legítimos dos utilizadores de sítios internet de empresas (...)".

Conclusão: o parlamento sustenta que "deverá ser estabelecido a nível da União um conjunto de regras obrigatórias, com a finalidade de garantir um ambiente comercial em linha justo, previsível, sustentável e de confiança", ressalvando que "os Estados membros deverão continuar a ter a liberdade de aplicar leis nacionais que proíbam ou sancionem atos unilaterais ou práticas comerciais desleais (...)".

Em suma, as plataformas online são fortes motores de inovação, desempenham um papel importante na sociedade e na economia digital da Europa, aumentam a escolha do consumidor, melhoram a eficiência e a competitividade da indústria... e têm um enorme poder nas mãos. Como se alcança a justiça, a previsibilidade e a confiança na relação entre operadores económicos e plataformas?

* In Consumers" attitudes towards cross-border trade and consumer protection 2018

CEO da AHP - Associação da Hotelaria de Portugal

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