Persuasão na era da saturação

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No artigo "Harnessing the Science of Persuasion", um clássico de Robert Cialdini publicado pela Harvard Business Review, em 2001, seis princípios fundamentais no sentido de tirar partido da persuasão foram identificados: 1) reciprocidade, 2) compromisso e consistência, 3) prova social, 4) autoridade, 5) simpatia e 6) escassez.

Duas décadas mais tarde, num mundo onde a informação é abundante e a atenção é um recurso escasso, é possível manter a eficácia destes princípios?

1) O princípio da reciprocidade ainda funciona? Para que isso seja verdade a sua aplicação tem de ser bem mais criativa e totalmente imediata. Porém, a reciprocidade convive relativamente mal com a gratificação imediata. Como se consegue gratificar alguém, num mundo digital e no imediato? Há pequenas dádivas que se passam para o lado de lá do ecrã? Um texto, uma imagem ou uma música, claro que sim. Mas e se for necessário um agradecimento onde seja fundamental a cinestesia, um aperto de mão ou um abraço apertado? Fact check: meio válido.

2) O princípio de compromisso e consistência pode conseguir-se sem presença física, por via de plataformas com declarações públicas ou endosso de causas por via de cliques. A visibilidade desses compromissos em redes sociais amplifica o efeito do princípio e a visibilidade torna-se muito maior e muito mais escrutinável. Problema: como as pessoas não leem, há o problema de com uma frase lida, tirada de contexto, serem opositores ou entusiastas de um determinado statement. Ainda assim, fact check: válido.

3) A prova social é amplamente potencializada pelo digital. Verdade. Avaliações online, partilhas em redes sociais e testemunhos em vídeo podem influenciar decisões mais rapidamente do que nunca. Este princípio, sim, pode ser particularmente poderoso quando os utilizadores estão sobrecarregados de opções e procuram verificações rápidas sobre a qualidade de um produto ou serviço. Fact check: válido.

4) O princípio da autoridade é desafiado pela permanente e crescente desconfiança nas instituições tradicionais. Contudo, a autoridade hoje pode ser construída através da transparência e do acesso direto a especialistas e fontes originais, com profissionais a tirarem partido de plataformas digitais, de podcasts e de webinars para estabelecer novas formas de credibilidade. Fact check: válido.

5) A simpatia, por sua vez, pode ser mais difícil de estabelecer digitalmente, especialmente sem a leitura corporal. E aqui há fake para dar e vender. No entanto, personalização e humanização de marcas através de redes sociais com interações ao vivo podem, igualmente, criar uma forma de conexão emocional, onde os consumidores sentem que as marcas, por exemplo, realmente entendem e se importam com suas necessidades individuais. Fact check: meio válido.

6) Finalmente, o princípio da escassez pode permanecer ainda eficaz, mas o seu uso deve ser cuidadosamente balanceado para não parecer manipulador. Ofertas limitadas e contadores de tempo podem (devem?) ser usados, mas devem ser genuínos para evitar a perda de confiança. Fact check: meio válido.

Em conclusão, a persuasão pode ser digital e usando os mesmos princípios. Porém, a adaptação ao contexto digital, caracterizado por excesso de informação, escassez de atenção e necessidade de gratificação imediata e até obsessiva deve ser tomado em consideração. A chave para a persuasão hoje não reside apenas em aplicar estes princípios de forma tradicional, mas em integrá-los de maneira a respeitar a inteligência e a autonomia do consumidor (ou recetor, ou colaborador, …/…) atual, promovendo uma persuasão que tenha tanto de eficácia quanto de ética. Talvez por isso circulem nas redes sociais uns expressivos 70% para a forma como as pessoas se conhecem nos dias de hoje: online. Daqui se pode concluir que, mesmo se de forma leve, os aplicativos que se usam para conhecimento mútuo só podem permitir persuasão.

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