Peregrinos da Esperança
Com o passar do tempo sobre o desaparecimento do Papa Francisco vamos, todos, crentes e não crentes, sentindo mais a ausência da sua voz. Compreensivelmente aqueles que têm no Papa o líder da sua igreja darão especial importância à dimensão teológica da sua mensagem, enquanto outros, como é o meu caso, tenderão a valorizar a dimensão temporal da sua mensagem. E se Francisco já nos tinha convocado a todos, crentes e não crentes, ao publicar, em 2020, a encíclica Fratelli Tutti, o que agora quero recordar é o apelo contido na sua mensagem do último Natal.
A 25 de Dezembro passado, Francisco qualificou-se, bem como aos católicos, como peregrinos da esperança, assim convocando todos para o futuro e sobretudo significando, a meu ver, que o futuro pode ser melhor se todos nisso nos empenharmos.
Mas, nessa sua última mensagem de Natal, Francisco fez também um apelo sobre o qual importa reflectir: “que o Jubileu seja uma ocasião para perdoar as dívidas, sobretudo as que oneram os países mais pobres”.
Sabemos todos que a dimensão do que foi dito vai muito para além da sua literalidade. Chama a atenção do mundo, dos vários mundos, para desigualdades que tenderão a perpetuar-se e a agravar-se.
Francisco sabia muito bem do que estava a falar. Basta atentarmos que em 2020 nos seis maiores devedores do mundo, em percentagem do PIB, estavam o Sudão, a Eritreia, o Líbano e Cabo Verde.
Certamente que todos sabemos que entre o pagamento de juros e as necessárias amortizações, muitos não terão condições para se livrarem, ou, pelo menos atenuarem, o garrote da dívida. Estamos perante o dilema entre a pobreza extrema e a fome absoluta.
Há, de facto, um caminho para o acentuar das desigualdades que urge contrariar. Vivemos num mundo em que 1% da população tem 50% da riqueza e 99% tem os restantes 50% (Le Point ,nº2746, de 13/3/25).
Vivemos num mundo em que o homem mais rico do mundo tem uma fortuna correspondente a vez e meia o PIB português.
Vivemos num mundo em que um dos homens mais ricos vai doar para apoio aos que mais precisam o equivalente ao PIB português.
Vivemos num mundo que se ordenasse na mesma lista o PIB dos países e as grandes fortunas individuais, se confrontaria com países da União Europeia a ficarem ordenados atrás das cinco maiores fortunas do mundo. Vejam-se, a titulo de exemplo, os casos da Eslováquia ou da Croácia.
Todos sabemos que vivemos num mundo desigual e que certamente viveremos sempre. Mas, não será possível ter a esperança que a riqueza seja mais bem distribuída? Esta terá sido uma das mensagens de Francisco para a humanidade.
A esta mensagem de Francisco veio, agora, o Papa Leão XIV acrescentar a mensagem da paz e da necessidade de “construirmos pontes entre todos”.
Continuamos a ter um Papa que descende de imigrantes e que conheceu “o outro lado da vida”, o lado das dificuldades, das privações e das violências. A humanidade precisa, cada vez mais, de mensagens fortes que nos tragam a paz e a fraternidade.
Vamos continuar a ter esperança.
Advogado e gestor