Perdoa-lhes, que sabem o que fizeram
A parábola do palco poderia mesmo chamar-se assim, não fosse ela corriqueira em excesso para merecer recordação.
A polémica sobre a plataforma-altar em que o Papa celebrará a missa de encerramento da Jornada Mundial da Juventude, este ano, é tão portuguesa que dói. Roubando a expressão ao bispo Américo Aguiar, "magoa". E magoa verdadeiramente. Para um católico, um momento de Fé converter-se publicamente em caso de dúvida não é indiferente. Ouvir as lideranças políticas às avessas com a Igreja - um Presidente da República em contradição com o patriarcado, um presidente de Câmara em choque com o Vaticano - também não.
A Palavra oferece-nos o consolo de nada disto ser novo, mas escusava de se repetir no mesmo sítio, tão insistentemente. O Presidente, como Pedro, negando três vezes as exigências da sua Igreja (não sabia, não gosta e espera que não fique assim). O bispo, como Cristo, assumindo prontamente a cruz diante do calvário (não sabia, deveria ter sabido e promete fazer melhor). O governo, como Pilatos, lavando as mãos com sabão de marca silêncio. E o país, como Tomé, que manifestamente só acreditará na jornada depois de a ter visto.
Não tem mal. Costuma ser assim. Discussões acerca da laicidade do Estado, do volume do investimento e respetivo retorno, são comuns nos países anfitriões das Jornadas Mundiais da Juventude. A força da comunhão dos milhões de peregrinos suplanta, tradicionalmente, a controvérsia que a antecede. O que espanta é a aparente surpresa do nosso corpo político perante o debate, que é natural, e perante as verbas, que também o são. Não sei em que realidade alternativa vivem os nossos decisores, mas não se acolhe mais de um milhão de visitantes numa área metropolitana, em uma semana, sem custos. Simplificando, sem querer cair no ridículo: não se festeja a vinda do Euro para se estranhar a necessidade de estádios.
O Estado português não era rico em 2019, quando ganhou a candidatura, nem ficou pobre em 2023, se olharmos para as receitas do Tesouro no último ano. Se alguém sinceramente esperava que uma sociedade civil ativa e dinâmica brotasse subitamente, financiando a Jornada com donativos e contribuições à semelhança do que sucedeu em Madrid, onde o respetivo palco foi oferecido pelas empreiteiras, não há dúvida de que a Fé abunda mais do que se proclama por aí.
A dita estrutura teve o condão de não agradar praticamente a ninguém: nem aos secularistas mais ardentes, nem aos católicos mais conscientes. O coro, os voluntários e os secretários de bispos de todo o mundo, a quem o assento está destinado, serão certamente os primeiros a dispensar o exagero.
Mas esta não é uma questão meramente clerical na sua génese, por mais que assim pareça. Há quatro anos, quando Marcelo Rebelo de Sousa efusivamente comemorou a vinda da Jornada para Lisboa, havia um claro consenso político em relação ao projeto. Um governo, uma capital e um presidente da Assembleia socialistas. Uma autarquia vizinha até comunista, mas não menos entusiasta. Todos, de forma pública, apoiaram a vinda do evento e, mais do que isso, definiram uma política: aproveitá-lo para reabilitação urbana na zona limítrofe dos concelhos. Esta foi uma escolha política.
A Igreja, que é dada à sustentabilidade, não levantou entraves, não sendo a promotora dessa junção de propósitos, nem tão-pouco dos gastos acrescidos que esta acarreta. Escutando os engenheiros, erigir uma obra junto ao Rio Trancão implica fundações mais fundas e dispendiosas do que noutra localização. Notavelmente, os organizadores aperceberam-se disso com três anos de atraso.
Moedas, que lidera o município há um, herdou um encargo e tardou em encontrar o tom. Sá Fernandes, que tem gabinete há exatamente o mesmo, mas vinha da vereação anterior, tinha obrigação de saber - e fazer - mais. O Presidente, com franqueza, tornou-se difícil entender. O PS, convenientemente, sumiu. A Igreja, infelizmente, demorou demasiado a surgir para estancar o disparate.
Fica a ideia de que sabem o que fizeram, mas não o que andam a fazer.
E não é boa.
Colunista