Pensar diferente. A Europa vale a pena, para a alma não ser pequena
Os portugueses gostam da Europa por causa dos camiões de dinheiro que os contribuintes europeus têm descarregado neste jardim à beira-mar plantado. Se fosse ao contrário, se Portugal pagasse para estar na União Europeia, a nossa opinião mudaria radicalmente. Para nós, a Europa significa dinheiro: fundos europeus, salários europeus, juros europeus. O dinheiro é importante, claro que é. A falta de dinheiro é ainda mais importante. Mas tendemos a esquecer que o dinheiro é uma consequência de algo muito mais importante: a nossa atitude perante a vida.
Se os cidadãos pensam em função da carteira, o que pensa a política? Os outdoors de campanha eleitoral são um bom barómetro para avaliar a argumentação de cada força política. Em duas a cinco palavras é preciso sintetizar argumentos para convencer o eleitorado. Pode parecer injusto e até cruel, mas a política é um processo de comunicação permanente, pelo que a simplificação do discurso político é a política. E o que nos trazem os cartazes destas eleições para o Parlamento Europeu?
Depois do inovador lema do “Portugal Inteiro” da campanha para as legislativas, nestas eleições europeias o Partido Socialista reclama: “O Futuro de Portugal na Europa”. Uau. E pagam a pessoas para pensarem em tiradas geniais como esta. Para não ficar atrás, a Aliança Democrática assina: “Voz na Europa”. A coligação no poder foi buscar a cara da juventude com a ambição de lhe dar uma voz. O PS quer que os eleitores votem num certo futuro e a AD apela ao voto numa certa voz. Guerra na Europa; ascensão do Oriente; generalização da IA; produtividade e riqueza na Europa; ensandecer da política americana; ou criar objetivos e motivar as pessoas; não parecem ser coisas importantes numa campanha eleitoral.
Nos partidos mais pequenos, com menos responsabilidade logo com mais liberdade criativa, não há muitas diferenças: o Bloco de Esquerda gasta o espaço comunicacional com um inclassificável “Europa por ti”; o PCP faz um apelo nostálgico ao estilo de Amigos de Alex com “Sempre Contigo – Para o que der e vier”; o PAN, sejam eleições europeias ou votação para a gerência do condomínio, deixa a sua assinatura: “Pelo Planeta, por ti, pelos animais”; e o Chega expandiu o seu negócio de limpezas para o mercado europeu: “A Europa precisa de uma Limpeza”, para depois avançar para um debate mais ideológico e convenientemente vago: “Uma Europa de Nações Livres”. Apenas a Iniciativa Liberal foi um pouco mais pedagógica. A mensagem subliminar com ritmo musical é: “com Cotrim sim”, acompanhada de uma mensagem objetiva: “Fundos Europeus mais eficazes?” ou “Menos burocracia e mais inovação”.
É um erro pensar que os outros são todos estúpidos. Se todos seguem a mesma linha de comunicação subliminar e de engajamento, é porque os estudos de marketing político assim o defendem. Mas se todos dizem mais ou menos a mesma coisa, será que alguém ouve alguma coisa?
Esta visão da política como um sabonete têm consequências. Se os partidos tratam o país como crianças do primeiro ciclo; se não fazem pedagogia política para informar, discutir e aprender; que democracia esperam ter? Quando todos ensaboam banalidades, o resultado são os fenómenos como o Chega. Esta política da comunicação burrinha está a abrir o caminho para os movimentos partidários da irracionalidade.
Porque a Europa é importante?
Vamos à História tenta perceber o Futuro. Em 1498 Vasco da Gama chega à Índia; em 1500 Pedro Alvares Cabral faz de contas que se engana e dá uma volta ao Atlântico para encontrar um Brasil que já se sabia que lá estava, e a partir daqui Portugal virou-se para o Atlântico. Em 1512 (as datas variam), os Reys Católicos anexam Navarra e criam o reyno da Espanha. O nome escolhido para o novo país é importante: vem do Hispania dos romanos, que queria dizer “terra de coelhos”, e era atribuído a toda a Iberia. Até então, Castela era o maior reino da Península, mas não muito maior. A Espanha passa a ser quase cinco vezes maior que Portugal e tapa os caminhos terrestres para a Europa. Encurralado, Portugal vira as costas à Europa e fica a rezar para que os espanhóis não nos atirem borda fora. Para agravar este clima de isolamento, em 1517 Martinho Lutero afixa as suas 95 teses na porta da sua igreja de Wittenberg e promove a reforma da Igreja. Pouco depois, traduz a Bíblia para alemão e faz com que os religiosos do Norte da Europa passem a relacionar-se com Deus através da leitura. No início do século XX, 90% dos escoceses sabiam ler e escrever. O Vaticano responde com mais ouro nas Igrejas (barroco) e com missas em latim até ao Concílio do Vaticano II (1966). Esta é a razão para a grande diferença entre o Sul e o Norte da Europa.
A grande lição da História é que até à adesão à CEE em 1985, Portugal sobrevive isolado neste canto da Europa, controlado pelo pensamento único da Igreja e por demasiados monarcas imbecis, que reinaram à custa de uma política da promoção da ignorância, como forma de manter o povo sob controlo, que a propaganda branqueou como sendo de “brandos costumes”. Parece uma contradição, mas é a realidade: apesar de 500 anos de império, sempre fomos uma Nação “orgulhosamente só”.
E isto tem obviamente impacto na economia. Antes, o setor vinícola viva exportando vinho barato para as colónias. Este modelo só seria possível à custa de mão de obra quase escrava, muito pouca tecnologia e uma gestão corporativa. Agora, para vender vinho na Europa é preciso ser muito competitivo, ter boa gestão bem remunerada, manter os custos baixos com investimentos em tecnologia e ter muito conhecimento para distribuição e comunicação.
Para nós, a Europa tem de significar abertura e desenvolvimento. A adesão europeia tem sido um vendaval de liberdade, pensamento e ação, que veio limpar 500 anos de um conservadorismo pacóvio, movido a um machismo marialva, entretido no culto da pequenez. Nos anos de 1970, muitos locais de Portugal ainda estavam dominados por um certo feudo medieval, de respeitinho às autoridades, subserviência a toda a prova, culto da cunha e “trabalha-e-cala-te”.
Votar em quê?
A Europa é como as autoestradas: não temos o desenvolvimento assegurado, só porque estamos lá. Temos de aproveitar as oportunidades para criar mais riqueza, para distribuir melhor a riqueza e para derrubar esse muro da vergonha que é o mais elevado consumo europeu de ansiolíticos, que são o pior indicador nacional. Muito pior que a dívida pública, o rendimento per capita ou os baixos níveis de escolaridade. O excessivo consumo de ansiolíticos num país mediterrânico quer dizer que somos infelizes e não temos orgulho em nós mesmos. Esta é a maior pobreza de todas.
Também por isso devemos votar em quem nos dê mais garantias de desenvolvimento. Ou seja: mais conhecimento, mais autonomia e, entre muitos outros predicados, mais pensamento crítico e mais criatividade. O nosso desenvolvimento passa por termos ideias próprias em todos os lugares que ocupamos. Sendo certo que esta tem sido uma campanha geralmente civilizada no comportamento, tem sido pobre na construção europeia. Não estamos na Europa para ajudarmos a construir um projeto europeu, estamos na Europa para sacar mais algum para Portugal.
E isto é pequeno. É passado. É pobre.
*Gestor e especialista em criatividade