Pela liberdade de expressão, sempre

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A decisão do Tribunal da Relação sobre um processo contra um professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa que criticou a falta de transparência nas contratações daquela escola (ler notícia aqui) é uma pequena lufada de ar fresco num país que sempre conviveu mal com a liberdade de expressão. O tribunal concluiu, e bem, que é razoável questionar a seriedade dos processos de contratação da referida universidade, se nos seus quadros pontificam poderosas dinastias com avós, pais e netos. Todos a darem aulas sobre as mesmas matérias, na mesma escola, como se não existissem milhares de universidades em todo o mundo onde pudessem fazer carreira académica.

Esta decisão contrasta com outras onde o bom nome das pessoas e das instituições é considerado um bem supremo, mesmo que em causa esteja a verdade. Portugal é o país onde, em tempos, um tribunal chegou a condenar uma pessoa por ter chamado ladrão a um indivíduo que, de facto, tinha sido condenado por roubo, por considerar que também este último tinha direito ao bom nome. Extraordinário.

Somos, também, um país onde, cada vez, mais alguns advogados procuram convencer os seus clientes de que têm o chamado “direito ao esquecimento”, ao abrigo de uma diretiva europeia. Claro que esta regra não produz efeitos sobre as notícias publicadas pelos órgãos de comunicação social, mas ainda assim há quem a tente invocar de forma indevida. Mais: essa mentalidade está a evoluir diariamente, assumindo contornos cada vez mais perigosos e próximos da censura pura e dura. Agora, já não querem apenas “esquecer” factos que aconteceram há décadas e apontam também para acontecimentos recentes. Há dias, a direção do DN recebeu mais um desses pedidos, assinado por um ilustre escritório de advogados estrangeiro, onde se pedia que retirássemos qualquer menção a determinada entidade nas notícias que publicámos há meia dúzia de meses sobre a detenção de um conhecido lobista. A entidade em causa trabalhava até recentemente com essa pessoa, que aparentemente se transformou em persona non grata no dia em que foi detida pelas autoridades num caso de alegada corrupção. É uma versão moderna dos célebres retoques nas fotografias que os propagandistas de Estaline tinham por hábito fazer.

Evidentemente, recusamos este e todos os pedidos que nos sejam dirigidos nesse sentido e, inclusive, em alguns casos poderemos optar por fazer a divulgação dos mesmos, se considerarmos que constituem uma utilização abusiva da lei. Este é um compromisso que assumimos perante os nossos leitores.

Concluo com uma nota puramente pessoal. As ameaças à liberdade de expressão não se ficam por aqui. Não se explicam apenas pela mentalidade salazarenta, do respeitinho é bonito, de muitos portugueses, nem pela chico-espertice de alguns advogados. Vivemos na era dos ofendidos, em que há sempre alguém que se sente ofendido e encontra uma justificação piedosa, nobre e meritória para limitar a liberdade de expressão. Na maioria das vezes com razão, aos olhos do autor destas linhas, mas não é isso que está causa. Não sabem que, quando defendemos o direito dos outros a exprimirem-se livremente, mesmo que digam as maiores alarvidades, estamos a defender a nossa própria liberdade. Ou será que a liberdade de expressão existe apenas para quem pensa como nós?

Diretor do Diário de Notícias

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