Pela família tradicional brasileira
Dom João III doou o litoral brasileiro a nobres portugueses sob a forma de “capitanias hereditárias”, que, como o nome indica, passavam do capitão para o herdeiro, deste para o filho e assim sucessivamente.
No papel, as capitanias hereditárias acabaram em 1753. Mas será?
Por exemplo, no Amazonas, o falecido Arthur Virgílio Filho foi deputado estadual, deputado federal e senador, o reformado Arthur Virgílio Neto foi deputado federal, senador, prefeito de Manaus e ministro de Fernando Henrique Cardoso (FHC) e Arthur Virgílio Bisneto já é deputado federal.
Em Pernambuco, o jovem João Campos, prefeito do Recife, é filho de Eduardo Campos, ex-governador que faleceu na campanha presidencial de 2014 num desastre de avião, e bisneto de Miguel Arraes, que também governou o estado. A prima, Marília Arraes, perdeu a corrida em 2022, mas para Raquel Lyra, filha de outro ex-governador e sobrinha de um ex-ministro.
Em Minas Gerais há os Neves, de Tancredo, avô, a Aécio, neto. E os Barbalho, através de Laércio, Jader e Helder, andam há três gerações a dominar a política do Pará.
Na Bahia, o cacique Antônio Carlos Magalhães, conhecido como ACM, gerou filhos, tios e sobrinhos políticos, além de ACM Neto, prefeito, por oito anos, de Salvador.
E no Ceará, além do eterno candidato presidencial Ciro, a família Gomes tem ainda Cid, senador, ex-ministro e ex-prefeito de Sobral, cidade hoje nas mãos de um terceiro irmão, Ivo, que outrora foi liderada pelo pai dos três.
Já em Alagoas, o prodigioso Renan Calheiros, que tem três irmãos políticos, conseguiu ser braço-direito de Collor de Mello, ministro de FHC e aliado de Lula da Silva, em cujo Governo encaixou, como ministro dos Transportes, Renan Filho. No Estado, os rivais dos Calheiros são os Lira, de Arthur Lira, atual presidente da Câmara dos Deputados, e do pai dele, Benedito, ex-senador e ex-deputado.
No Maranhão, de José Sarney, que foi tudo, até mau presidente, e dos filhos Roseana, ex-governadora, e Zequinha, ex-ministro, o aliado da família Jackson Lago abrigou 23 parentes, de sobrinhos a genros, quando esteve no Governo do Estado.
Mas, calma e para o baile: em 2018 chegou a “nova política” para acabar com este centenário forrobodó de meia-dúzia de famílias.
Nesse ano, o Rio de Janeiro elegeu como prefeito o pastor da IURD e cantor gospel Marcelo Crivella. Ele, porém, é sobrinho de Edir Macedo, fundador de uma nova forma de poder, o tele-evangelismo. Para a Casa Civil, o cargo mais poderoso e bem remunerado da autarquia, o prefeito nomeou um tal de Marcelinho Crivella, que, nem seria preciso dizer, é seu filho. O pai Crivella, que acabou preso acusado de liderar organização criminosa, tinha prometido na campanha “proteger a tradicional família brasileira” - à sua maneira, cumpriu.
O vértice da “nova política brasileira”, entretanto, é o inefável ex-presidente Jair Bolsonaro, que ainda não está preso, mas continua enterrado em casos de polícia, assim como os quatro filhos políticos. A um deles, quis oferecer o cargo de embaixador nos EUA: “Pretendo beneficiar um filho meu, sim, se puder dar filet mignon a filho meu dou, sim”, bradou, enquanto 33 milhões de brasileiros viviam em insegurança alimentar sob o seu Governo.
No papel, as capitanias hereditárias acabaram em 1753. Na prática, o Brasil, que até elegeu um capitão como presidente em 2018, nunca acabou com elas - é mais provável elas acabarem com o Brasil.