Pela calada da noite
Estava o país a assistir a uma pouco edificante discussão sobre a dignidade da pessoa humana, mascarada de leilão sobre aumentos de pensões, quando, pela calada da noite, um “sorrateiro” fotógrafo conseguiu “um furo”.
Parece que, por mero acaso, um fotógrafo que de nada sabia “surpreendeu “dois cidadãos que, pela calada da noite, se encontraram num bar das lisboetas Avenidas Novas.
Também por mero acaso, o fotógrafo que de nada sabia, e a quem a iluminação não faltou, e a quem a mão não tremeu, nem de emoção, nem de nervos, nem de surpresa, o fotógrafo, dizia, logo conheceu alguém que fez publicar a foto num discreto, instrumental???, jornal e, pasme-se, logo as televisões, as agências, o país dela se apropriou.
Tudo pela calada da noite, sem o nevoeiro que os portugueses tradicionalmente associam às manhãs.
Porventura também sem as esperanças que lhe andam associadas.
Com os alvores da madrugada, das madrugadas, clareou o dia e clarearam os propósitos.
Um líder partidário que flutuando sobrevive entre o centro-direita democrático e a extrema-direita, procurava uma vaga que o empurrasse para o regresso às perdidas afirmação e respeitabilidade nacionais.
Um cidadão, a quem não se conhece nenhuma ideia materialmente relevante para a República, procurava a respeitabilidade que uma família antiga sempre dá, apesar dos infortúnios mais recentes.
E, pela calada da noite, encontraram-se os dois numa esquina das Avenidas Novas onde pontificam fotógrafos bem relacionados.
Regressados, todos, à luz do dia, convirá não nos distrairmos, nem deixarmos que nos distraiam nas múltiplas esquinas da vida.
Um cargo político unipessoal, eleito por sufrágio directo e universal, impõe que se conheça o percurso político dos candidatos, a sua estrutura de pensamento politico, a interpretação dos poderes constitucionais, a concepção das relações entre órgãos de soberania, a posição de Portugal no mundo ou a visão sobre a Europa. O país deve, ou não, ser regionalizado? As regiões autónomas devem ter mais, ou menos poderes, e quais? O sistema eleitoral deve manter-se tal como o conhecemos, ou deveremos optar por círculos uninominais? Que relação devemos ter com os imigrantes e como devem estes participar na comunidade nacional?
E não, não estou a falar de um programa. Estou a falar de uma história de vida política e cívica e de uma vida com história política conhecida e com posições publicamente assumidas.
Espero firmemente que, daqui a pouco mais de um ano, Portugal não seja confrontado com a opção entre equívocos messiânicos salvíficos e uma qualquer frente imposta como instrumental para salvar o regime.
É tempo de se falar de política. Com clareza de opções e frontalidade na afirmação da diversidade.
Com luz e à luz do dia.