Pavel Durov, um velho conhecido da Justiça portuguesa, e o insulto à liberdade de expressão

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Em novembro de 2021 o Tribunal de Propriedade Intelectual de Lisboa instou Pavel Durov, detido esta semana em França, e o seu irmão Nikolai, enquanto gestores do Telegram, a bloquear o acesso dos seus clientes a 17 grupos/canais através dos quais partilhavam filmes, séries, revistas e jornais gratuitamente e em violação absoluta dos direitos de autor. A providência cautelar foi promovida pela Visapress - Gestão de Conteúdos dos Media e pela Associação para a Gestão de Direitos de Autor, Produtores e Editores (GEDIPE). 

A Justiça nunca conseguiu notificar os Durov no âmbito deste procedimento judicial. A sede do Telegram está registada no Dubai mas contactada a embaixada dos Emirados Árabes Unidos esta informou o tribunal que não tinha sido possível localizar os seus proprietários.

Em 2022, na sequência de um outro pedido de bloqueio dos grupos do Telegram efetuado pela entidade à Inspeção-Geral das Atividades Culturais (IGAC) foram encerrados 11 canais.

Este ano, conforme noticiou o DN, uma investigação inédita da Polícia Judiciária chegou aos alegados autores de um destes grupos do Telegram e conseguiu, pela primeira vez, identificar e constituir dois arguidos. Mas o caminho é sempre muito, muito lento e a Justiça continua a perder terreno.

A pirataria é apenas um dos muitos crimes - grave para os media, pois estão estimadas perdas potenciais da ordem dos 50 milhões de euros anuais que podiam ser utilizados para produzir informação de qualidade - cometidos através de plataformas digitais.

Por muito que, mesmo a conta-gotas, se consiga que sejam bloqueados alguns destes grupos e canais de partilha, eles são substituídos por outros num estalar de dedos. 

Quando se passa então para o patamar da criminalidade grave e violenta, a impunidade tem efeitos ainda mais dramáticos.

Nesta semana, foi amplamente noticiada a detenção de Pavel Durov, 39 anos - que tem mais de mil milhões de utilizadores no seu Telegram - no âmbito de um processo que inclui acusações de divulgação de conteúdos criminosos relacionados com tráfico de droga, pornografia infantil e burlas.

A lista de crimes inclui a cumplicidade na administração de uma plataforma que permite que gangues organizados façam transações ilícitas; a recusa em cooperar com as autoridades através da partilha de documentos ou informações necessárias para evitar atos ilegais; e a cumplicidade em fraudes e tráfico de droga.

Após a detenção do seu fundador e CEO, a empresa associada ao Telegram divulgou um comunicado no qual considera “absurdo que uma plataforma ou o seu proprietário sejam responsáveis por abusos na sua rede”. 

Em defesa do seu concidadão (Durov tem nacionalidade russa, francesa e dos Emirados), o porta-voz do Kremlin não perdeu tempo a dizer que as acusações “exigem provas sólidas” e que se não existirem “ficará evidente que se trata de uma tentativa de restringir a liberdade de comunicação”.

Ainda este ano, o DN noticiou que a Europol e National Crime Agency, do Reino Unido, apelaram aos governos e a empresa como a Meta (dona do Facebook, do Instagram e do WhatsApp) a “tomarem medidas urgentes para garantir a segurança pública em todas as plataformas tecnológicas”.

Em causa estava, e está, a designada encriptação automática ponta a ponta dos dados trocados, significando que as empresas deixam de deter ou vigiar conteúdos ilegais, não podendo denunciá-los, nem fornecê-los às autoridades, mesmo que mandatadas para tal. 

A título de exemplo, a National Crime Agency afirmou que, antes desta encriptação, em apenas três meses, informações que retirou destas plataformas “levaram a 327 detenções, à apreensão de 3,5 toneladas de drogas de classe A, à recuperação de 4,8 milhões de libras, à identificação de 29 ameaças à vida anteriormente desconhecidas e a mais 100 ameaças de danos”. 

Invocar a “liberdade de expressão” para proteger criminosos é um insulto sem tamanho que nenhuma democracia devia aceitar. É abusar de um Direito Universal. Mesmo sabendo que estas plataformas sejam também importantes em muitos países sem essa liberdade, difundem desinformação e favorecem os extremismos. E são palco de crimes muito graves.

Nos países em que vigora o Estado de Direito, com separação de poderes, não há justificação para que não colaborem com as autoridades sem que tenham consequências. E sem nunca por em causa “liberdade de expressão” nos princípios consagrados no artigo 19.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão.”

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