Partir tetos e telhados de vidro

Publicado a

Parecia que não, mas afinal continuamos muito longe dos objetivos: de acordo com os dados disponíveis mais recentes, a disparidade salarial entre homens e mulheres é de 13,2%, fazendo com que o Dia Nacional da Igualdade Salarial, este ano, tenha sido assinalado no passado dia 14 de novembro, data a partir da qual as mulheres, virtualmente, deixam de ser remuneradas, enquanto os homens continuam a receber os seus salários.

A partir daqui, e até ao final do ano, é como se trabalhassem sem receber qualquer remuneração, apesar do número de licenciadas, mestradas e doutoradas ser cerca de 20% superior ao dos homens. São 48 dias “à borla”!

No Turismo, que é um dos pilares da nossa economia, e dos nossos maiores empregadores, e em particular na Restauração e no Alojamento, setores muitas vezes visados nesta matéria, posso dizer que não há uma verdadeira desigualdade salarial em função do género, mas há outros fenómenos, com impacto nas remunerações das mulheres, pelo facto de elas ocuparem as categorias profissionais mais baixas, sendo os cargos de topo predominantemente ocupados por homens.

Este cenário remete-nos para um fenómeno antigo, descrito como “teto de vidro”, um termo criado nos Anos 70 do século passado por Marilyn Loden, uma trabalhadora da Companhia Telefónica de Nova Iorque que denunciou barreiras culturais invisíveis que limitam a ascensão feminina. Loden, que se tornaria escritora e viria a ser referida pela BBC como uma das 100 mulheres mais inspiradoras do mundo, participou numa conferência e relatou que o seu chefe lhe disse que, apesar de apresentar melhores resultados, a promoção iria para o colega, um “pai de família” que precisava do dinheiro para sustentar filhos e mulher.

Por cá, e já no século XXI, continuamos a lidar com os “telhados de vidro” de uma sociedade ainda marcada por resquícios de um sistema patriarcal. Apesar dos avanços legislativos e culturais, persistem barreiras que dificultam a igualdade de género no trabalho. Um exemplo é a manutenção da perceção tradicional que associa características como assertividade e capacidade de decisão à liderança masculina, influenciando inconscientemente as escolhas de promoção. Além disso, a ideia de que as responsabilidades familiares recaem desproporcionalmente sobre as mulheres continua a ser uma realidade, limitando a disponibilidade e a ascensão profissional de muitas trabalhadoras.

O Turismo é uma atividade inserida nestas sociedades que construímos e, tal como toda a economia, perde bastante com a falta de equilíbrio de género nas lideranças. Proliferam estudos que demonstram que equipas diversificadas em termos de género têm melhor desempenho, promovem a inovação e melhoram a tomada de decisões. A desigualdade no acesso a posições de topo limita o potencial competitivo e perpetua um ciclo de desmotivação entre as profissionais, que enfrentam “tetos e telhados de vidro” para progredirem na carreira. Isso reflete-se, por exemplo, na dificuldade em atrair e reter talento feminino qualificado, um fator crucial para a sustentabilidade dos setores que alimentam o Turismo. Tenho ouvido, demasiadas vezes, empresários que dizem querer contratar mulheres para cargos de topo e se deparam com várias recusas, justificadas com os “tetos e telhados de vidro” do costume.

O caminho para a igualdade exige uma transformação cultural profunda, que está a ganhar forma, mas demasiado lentamente. Entre os esforços que contribuem para a mudança, destacar e reconhecer líderes femininas é um passo fundamental. Os Prémios Woman 3.0 são um exemplo brilhante disso, ao trazerem à luz modelos que a sociedade precisa para transformar a perceção sobre o papel das mulheres. Estes prémios celebram figuras femininas cujos feitos são essenciais para inspirar uma alteração estrutural tão necessária.

Nas palavras da organização, trata-se de dar visibilidade a mulheres que permanecem à sombra: “Sendo agentes de mudança em diversos setores, continuam invisíveis, envoltas na penumbra da indiferença social. São pioneiras que fomentam transformações significativas e inspiram os outros a serem melhores. Mulheres cuja liderança se destaca pela eficiência e serenidade. Porque não basta ser excecional no que se faz; é igualmente crucial que essa excelência seja reconhecida e celebrada.” Não poderia concordar mais.

É essencial continuar a derrubar os tetos e telhados (de vidro) que ainda persistem.
E em nome de uma visibilidade, que é tão necessária, apelo a que haja mais iniciativas que iluminem trajetórias de excelência e que façam ecoar o impacto das mulheres que lideram, inspiram e transformam.

Porque a igualdade não é apenas um objetivo: é um compromisso que exige ação constante e coletiva.

Diário de Notícias
www.dn.pt