Partido político ou ‘think tank’

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Os resultados eleitorais, quando não-satisfatórios, podem levar ao encapsulamento ou constituir-se em aguilhão para a acção.

Ao longo deste meio século que levamos de democracia, já vimos, e alguns de nós participaram, nos dois tipos de reações.

Todos nos lembramos do que aconteceu no PS, após 1986, e também certamente nos lembramos do que viveu o PSD após 2005.

E também nos lembramos da atitude política de Mário Soares após cada noite eleitoral que não corria bem.

No dia a seguir partia para o combate, com a mesma motivação e a mesma alegria de sempre.

E não consta que Soares não tivesse sempre pensado muito sobre Portugal, os portugueses, a nossa relação com o mundo e, especialmente, com a Europa, a par desse imperativo ético e político de transformar a sociedade para proporcionar uma vida melhor aos seus concidadãos.

Certamente, não há ação política sem reflexão, mas, o que caracteriza a atividade dos partidos é a ação, é a intervenção na sociedade, é o exercício do poder em nome de princípios e valores comuns aos seus militantes e, desejavelmente, a uma maioria de cidadãos.

É por isso que me preocupa ver alguns amigos meus como que a querer “congelar” a ação política em nome de um desígnio de reflexão que, pelo menos na aparência, estará mais vocacionado para analisar o passado do que para a imperiosa e urgente prospetiva.

O país tem hoje vários think tanks relevantes e prestigiados e que, funcionando como laboratórios de ideias, produzem reflexões importantes que endereçam aos poderes públicos. É o caso paradigmático do Causa Pública, dinamizado por Paulo Pedroso.

Acontece que um Partido Político é outra coisa e tem outra vocação.

Como escreveu Marcelo Rebelo de Sousa, um partido político é “uma associação duradoura de cidadãos que visa representar a coletividade e participar no funcionamento do sistema de governo, contribuindo para a designação dos titulares dos órgãos do poder político do Estado”.

Ou, como ensina Gomes Canotilho, “…os partidos, trata-se de organizações aglutinadoras dos interesses e mundividências de certas classes e grupos sociais, impulsionadoras da formação da vontade popular”.

Ora, a ação política, o exercício do poder ou a representação dos cidadãos não conhecem hiatos, nem se suspende à espera de “refundações sucessivas”.

É por isso que a atitude que hoje se exige ao PS é a que Mário Soares sempre teve. Conhecer profundamente o país em que vive e actua e ser o porta-voz da modernidade, do progresso e do desenvolvimento, ao serviço da Justiça Social e do combate à pobreza e às marginalidades.

Certamente com muita reflexão que se traduza em conhecimento e produção programática, essenciais ao convencimento dos cidadãos.

Seguramente agindo e representando os portugueses, como sempre fez.

Advogado e gestor

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