Para quem é a Europa?
O pedido de adesão da Ucrânia à União Europeia, em plena guerra de invasão pela Rússia, levanta uma outra pergunta: o que é, o que quer ser, a União Europeia. Esta discussão já se teve depois de 1989, e vai voltar.
Quando falou ao Parlamento Europeu, a 1 de março, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky disse que o que estava em causa era a escolha europeia da Ucrânia. A história recente dá-lhe razão.
O confronto entre a submissão a Moscovo ou essa "escolha europeia" esteve sempre presente ao longo dos últimos 18 anos. Na Revolução Laranja de 2004, quando Viktor Yushchenko foi envenenado ao melhor estilo russo; na interrupção de fornecimento de gás pela Rússia, em 2006 e 2009, quando o país se aproximou da Europa, uma vez mais; e, finalmente, em 2013, nas manifestações da Euromaidan, a Praça da Europa, no centro de Kiev, que levaram à deposição do presidente pró-russo Viktor Yanukovitch e, posteriormente, à invasão russa da Crimeia, primeiro, e ao apoio militar de Putin aos separatistas, depois.
Tal como aconteceu com Estónia, Letónia, Lituânia, Polónia, República Checa, Eslováquia, Hungria e Eslovénia, após a queda do Muro de Berlim, em 1989, mas com toda a violência que então não houve, há um país que se quer libertar do domínio de Moscovo e que procura ancorar o seu destino na União Europeia. De certo modo, como também nós fizemos quando pedimos a adesão, em 1977.
Entre 1989 e 2004, data do grande alargamento, houve duas importantes discussões. Uma, sobre o dever de acolher povos e países que durante décadas lutaram pelo sonho de pertencer ao Ocidente e às democracias liberais europeias. Outra, sobre como organizar institucionalmente a Europa para esse enorme crescimento.
Os entusiastas da federalização europeia viam naquela súbita entrada de países uma ameaça à homogeneidade e à capacidade de tomar decisões. Os seus opositores viam a mesma limitação, mas achavam-na positiva.
O acordo entre ambas as partes fez-se com compromisso. Houve alargamento, mas entretanto houve três tratados (Maastricht, 1991; Amesterdão, 1997; e Nice, 2000) que tornaram muito mais federais os processos de decisão e a distribuição de competências entre os Estados membros e a União Europeia.
Nem 18 anos passados, havia, até há dias, várias discussões sobre esse período. Muitos duvidavam da bondade do alargamento de 2004 e da solidez democrática dos países que então aderiram, como Polónia ou Hungria.
É mais ou menos aqui que nos encontramos de novo. O pedido de adesão da Ucrânia tem muito mais que ver com uma ideia de destino do que com o propósito de abdicar de partes da soberania em nome de uma grande Europa unida e eventualmente federal. Além de ter tudo para ser, como foram então os países de leste, um peso económico e um sorvedouro de fundos europeus.
O facto de haver uma enorme empatia com a Ucrânia está a esconder esta discussão, mas, como se viu na semana passada em Versalhes, ela está lá, na cabeça dos chefes de Estado e de governo de União Europeia.
A questão é fundamental e definidora da própria UE. Devemos receber quem se quer juntar a este bloco geopolítico, fazendo-o mais relevante e influente, ou devemos aprofundar a integração e tendencialmente torná-lo num ator com uma só sede e uma só voz?
Esta discussão está de volta, ainda que em pano de fundo. E o caminho pode bem voltar a ser o do compromisso. Alargar de novo, mas primeiro integrar mais um pouco. Ou criar, finalmente, uma terceira via onde se integram países que não entram completamente na União Europeia, mas também não ficam inteiramente de fora.
Seja como for, em breve teremos de retomar esta discussão. Até lá, convém que não haja dúvidas sobre o lugar europeu da Ucrânia.
Consultor em assuntos europeus