Para que servem os dezasseis mil milhões que não cobramos?
Os benefícios fiscais foram criados para incentivar investimentos, apoiar grupos vulneráveis e promover comportamentos desejáveis como a sustentabilidade ambiental, no entanto, a crescente complexidade e o elevado volume de benefícios fiscais têm gerado preocupações sobre a sua transparência, eficácia e impacto nas contas públicas.
Nos últimos anos, os benefícios fiscais aumentaram significativamente e representaram cerca de 16 mil milhões de euros que ficaram por cobrar, o que levanta questões sobre a sua eficácia e impacto nas receitas do Estado e por beneficiarem sobretudo grandes empresas e cidadãos de altos rendimentos, enquanto pequenos negócios e a população de menores rendimentos ficam muitas vezes à margem.
A OCDE tem recomendado que Portugal melhore a avaliação dos benefícios fiscais e aponta para a falta de dados concretos sobre o impacto real desses incentivos em áreas como o crescimento económico, a criação de emprego e a redução das desigualdades. Sem monitorização, os benefícios fiscais podem continuar a existir sem uma justificação adequada, gerando potenciais distorções e défices.
Embora a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) publique relatórios anuais, a OCDE sublinha a falta de transparência dos benefícios fiscais, pois a qualidade, detalhe e formato dos dados divulgados são insuficientes para permitir uma análise aprofundada e por isso é defendida a criação de ferramentas mais robustas de avaliação que permitam uma melhor compreensão do custo-benefício das medidas fiscais.
O Tribunal de Contas também tem criticado a falta de uma avaliação clara e regular do impacto dos benefícios fiscais, pois a dispersão e a complexidade dos regimes impedem a transparência e o escrutínio por parte dos cidadãos e especialistas.
As tecnologias digitais e os dados abertos são ferramentas essenciais para melhorar a transparência dos benefícios fiscais e possibilitam a disponibilização de informações públicas de forma acessível e reutilizável, para permitir que cidadãos e investigadores possam escrutinar as políticas fiscais, a partir de informações sobre o montante total dos benefícios concedidos, os setores e as regiões mais favorecidas e o impacto dos incentivos na criação de emprego, inovação e desenvolvimento económico.
O Portal da Transparência foi criado para centralizar dados sobre a administração pública e é um instrumento importante para melhorar o acesso à informação sobre a gestão de recursos públicos, no entanto, no que toca aos benefícios fiscais, o portal ainda carece de informações detalhadas e atualizadas.
A OCDE e a Rede Nacional de Administração Aberta (OGP Portugal) têm recomendado que o Portal da Transparência inclua mais informações sobre o impacto concreto dos benefícios fiscais, tais como o retorno económico de incentivos fiscais concedidos a grandes empresas, assim como o impacto regional e setorial desses benefícios.
Os atuais relatórios sobre benefícios fiscais, atualmente publicados pela AT, devem ser simplificados e integrados diretamente no Portal da Transparência, não como uma mera formalidade legal, mas como um sistema dinâmico, vivo e interoperável.
É imperativo criar uma plataforma digital que permita o acompanhamento em tempo real dos benefícios fiscais concedidos, com atualização regular de dados sobre beneficiários e montantes atribuídos, com ferramentas interativas de visualização gráfica do impacto, comparação entre setores, regiões e diferentes tipos de incentivos ao longo do tempo e capacidade de gerar relatórios dinâmicos com a avaliação do impacto económico e social dos benefícios fiscais e o seu contributo para o crescimento, emprego e redução das desigualdades.
A transparência fiscal é afetada por múltiplos factores, nomeadamente os regimes e os contratos fiscais, as formas de funcionamento das sociedades, os fundos de variadíssimas espécies, para já não falar de off shores, concorrência fiscal internacional, são fonte de manobras objectivamente mais evasivas ao fisco do que as pequenas dificuldades de cálculo de despesas fiscal, com benefícios mais gerais e conhecidos do público.
Não questionamos o mérito dos benefícios fiscais, mas exigimos a sua transparência ativa perante a sociedade e queremos viver num país onde não existam mais exceções do que regras fiscais.