Para os problemas complicados do mundo não há soluções simples

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Há um ano um presidente em exercício de funções incentivou os seus apoiantes a invadirem a sede do poder legislativo para impedir a conclusão do processo eleitoral em que fora derrotado. Isto não se passou num qualquer Estado falhado num canto qualquer perdido do planeta, mas nos Estados Unidos, e embora a América do ex-presidente Trump possa ser um caso extremo, não é o único caso de populismo que contaminou os sistemas democráticos pelo mundo.

O que leva os eleitores de democracias estáveis e consolidadas a escolherem soluções de governo nacionalistas, que recusam o conhecimento científico, que se sentem confortáveis com respostas autoritárias e que entendem que os mecanismos e processos democráticos e judiciais estão capturados por grupos organizados e corruptos? Haverá nas sociedades democráticas um grupo significativo de pessoas que recusam a democracia representativa por razões ideológicas?

Os estudos realizados em diferentes países por universidades reputadas sobre o perfil de quem escolhe as soluções populistas dizem-nos que se trata maioritariamente de pessoas mais velhas, que estudaram pouco, que têm um trabalho indiferenciado ou não trabalham, que pertencem a grupos socioeconómicos mais frágeis e que não viajam. São pessoas que têm menos instrumentos para lidar com a abertura das fronteiras, com a concorrência económica, com a deslocalização das empresas ou com o desaparecimento dos empregos. E tudo isto antes de somarmos os impactos da pandemia nas nossas vidas e nas nossas expectativas. Ou seja, são as pessoas que perdem com a modernidade e para quem a esperança média de vida no mundo todo ter passado de cerca de 35 anos em 1900 para cerca de 70 anos em 2000 não é consolo.

Se há uma característica do mundo é que estamos sempre a avançar de um estágio de desenvolvimento para outro e se as revoluções agrícola e industrial do passado transformaram profundamente as nossas vidas coletivas, as duas revoluções que estão a chegar em simultâneo irão mudar a forma como vivemos e trabalhamos de forma total. Não sendo este o local para discutir o significado e os impactos expectáveis da revolução digital e a revolução energética e ambiental, importa lembrar que os seus efeitos já estão a começaram e que em 2030 - daqui a oito anos - a União Europeia terá cortado 55% dos gases com efeito estufa. Para que não fiquem dúvidas, entre o fim desta década e 2050 estaremos a viver num mundo completamente diferente daquele onde vivemos nos últimos cem anos.

Que impacto terão as revoluções digital e energética e ambiental nas nossas vidas? Como iremos reorganizar o ensino, o trabalho, os modelos de segurança social e a forma como valorizamos o contributo de cada pessoa para a sociedade? Como iremos manter o contrato social que dá corpo às nossas sociedades democráticas se houver mais gente do que empregos? Como iremos manter a paz no mundo se alguns países forem gravemente afetados pelas mudanças que se aproximam?

Nenhuma destas perguntas é fácil, mas temos que ter respostas se quisermos ter sociedades que funcionam. E se alguém nos disser que tem soluções simples para os problemas complexos que temos pela frente, não só não terá nenhuma como não merecerá a nossa atenção ou o nosso voto.

Investigador associado do CIEP / Universidade Católica Portuguesa
bicruz.dn@gmail.com

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