Para melhor está bem, para pior já basta assim, resume o Povo Português
Foi-me pedido por um conjunto de amigos, ainda antes das eleições, que fizesse uma análise da situação nacional. Fiquei honrado com esse pedido, vindo de quem veio, e aliviado por se referir à situação nacional, pois caso se referisse à internacional seria mais difícil ser otimista, como gosto de ser.
Decorridos uns dias sobre as eleições, vejo que não é necessário mudar uma vírgula a essa análise, podendo até ser útil publicá-la, na forma de um apelo a todos os políticos. Todos, todos, todos.
Limitar o âmbito da análise, neste caso a 15 minutos, é sempre o mais desafiante, pois facilmente se pode tornar uma análise sumária num livro de inúmeros capítulos e de difícil leitura.
Em resumo, Portugal, após 50 anos de democracia, 40 de integração europeia e um quarto de século do novo milénio, continua a ser uma pequena economia aberta, com uma democracia juvenil que não evoluiu da forma necessária e, em termos económico-sociais, permanece na cauda da Europa Ocidental.
Este pequeno resumo, sendo verdadeiro, pode saber a pouco. Necessita de fundamentação e de detalhe. Pode até parecer preconceituoso e provocar, com certeza, reações de todos os lados. Uns dirão que temos ótimos empresários, empresas, instituições e investigadores. Pois temos. Outros dirão o contrário. Pois também é verdade, também há o mau e o medíocre.
Então o que falta?
Falta sobretudo suficiente vontade de mudar e ambição, por aversão ao risco. Há alguma vontade de ser melhor e de mudar, mas falta confiança suficiente numa liderança que saiba mudar para melhor.
Para pior, já basta assim, pensa a maioria.
Começando pela economia, existe um défice de qualidade no seu funcionamento em Portugal.
Basta ver a produtividade dos portugueses e o seu rendimento per capita, em comparação com a média europeia ocidental, espaço a que pertencemos e com quem temos de nos comparar. O salário médio, os índices de competitividade e todos os indicadores comparativos nos alertam para isso. Estamos na cauda da Europa Ocidental, após dezenas de anos a receber milhares de milhões de euros a fundo perdido.
Mesmo a nível mundial (Ranking de Competitividade Mundial do IMD, Institute for Management Development), estamos abaixo do meio da tabela, apesar de especificamente em 2024, Portugal ter subido três posições. Está agora na 36ª posição em 67 países analisados.
A melhor posição que já foi alcançada, 33º, foi em 2018.
Isto se não quisermos evocar o que não é comparável e referir o passado (muito longínquo) de liderança mundial.
Nesse ranking, em 20 dimensões de análise, Portugal está na segunda metade da tabela em dez delas, sendo que a melhor posição é um 21.º lugar, na dimensão Educação e os pontos mais fracos do país são a Política Fiscal (58.ª posição), as Práticas de Gestão (46.ª posição) e o Mercado Trabalho, Produtividade e Eficiência (45.ª posição).
O que mudar decorre diretamente destes rankings comparativos. É fácil de perceber e tem de ser feito. Começando por mudar a política fiscal, as práticas de gestão e o mercado de trabalho.
O sistema económico-laboral pode e deve mudar.
Mas a questão subsiste pois não sabemos como mudar, quando virão essas reformas e, principalmente, quem será o protagonista dessas mudanças e reformas?
Óbvio que, no Estado em geral e na Administração Pública em particular, os protagonistas deveriam ser os candidatos a primeiro-ministro, a Presidente da República, ou mesmo os candidatos a presidente de Câmara Municipal, no pressuposto de começarmos também de baixo para cima.
No setor empresarial, a principal responsabilidade cabe aos acionistas e gestores, mas também a todos os colaboradores.
Mas o discurso dos líderes partidários e outros candidatos a líderes continua a ser sobretudo focado no curto prazo, para agradar a segmentos específicos da sociedade e de corporações, em defesa de reivindicações setoriais de cada momento, senão mesmo focados apenas no politicamente correto, sem dizer nada de interesse sobre como aumentar o nível de vida económico-social dos Portugueses.
Apesar da ausência pública desse debate mais estrutural e profundo, atrevo-me a submeter as minhas conclusões:
Não será do setor empresarial privado exportador que nos devemos queixar, pois esse está no mercado internacional a concorrer com todos os outros países e empresa concorrentes. Desse devíamo-nos orgulhar mais e falar mais sobre como o podemos ajudar, ou seja, como diminuir os custos de contexto.
Então qual é o peso que nos puxa para baixo?
Desde logo a ineficiência do Estado como entidade operadora setorial. O princípio de uma solução para o nosso país passa pela saída do Estado como operador no sistema empresarial.
É preferível o Estado ser um excelente legislador, regulador e fiscalizador, do que medíocre ou sofrível em tudo. Quem quer operar o sistema não é bom fiscalizador. É claro conflito de interesses. Entra em conflito de interesses ao não saber se opera, se fiscaliza, se legisla para si ou para todos, ou se regula simplesmente pela sua própria bitola como operador, ou se legisla e regula pelo que deveria ser, ou seja, pelo que as pessoas precisam.
Recentes exemplos confirmam tudo isso e voltam a confirmar. Pela negativa, nos transportes, na saúde, na construção, na habitação, na política energética, etc.
Como legislador o Estado tem sido inconsistente. O nosso sistema económico não melhora com os avanços e recuos das políticas setoriais ao longo de décadas. Conforme o governo muda e sem que haja uma discussão profunda de como queremos que a nossa economia mude de patamar, muda a direção das políticas. Conforme o governo que entra, as parcerias público-privadas acabam ou começam, a lei laboral vai para lá e vem para cá, a lei das rendas vai para a direita e volta para a esquerda.
É também aqui que a liderança está a falhar. Entre o socialismo, suas derivações e a social-democracia, Portugal não sai da prisão de um Estatismo omnipresente, pesado e ineficaz, caro e ineficiente, que não se quer reformar. Sobretudo inconsistente e errático nas suas políticas e regras.
O Estado prefere esconder o seu verdadeiro peso na sociedade, como por exemplo nos rendimentos das pessoas, ao não ser claro no recibo de vencimento o que a empresa paga ao estado, não incluindo o que é pago a título de Segurança Social pela empresa, ou seja, o custo total para a empresa versus o líquido para o trabalhador. Penso que essa falta de transparência cria muitos equívocos e é uma perda para todos os eleitores, que deviam ter uma noção mais factual do verdadeiro peso do Estado nas suas vidas.
Em termos sociais, os desafios que vivemos são igualmente complexos. Mas parece que também aqui a liderança está sem foco para os discutir apropriadamente e encontrar novos equilíbrios.
Em termos populacionais, o envelhecimento e baixa natalidade estão connosco há bastante tempo, mas a recente avalanche de imigração, ainda por quantificar devidamente, é algo que não foi decidido pela maioria dos portugueses de forma informada e esclarecida, o que equivale a dizer que é um fenómeno pouco transparente e não legítimo. As instituições e a sociedade não estavam preparadas para tal, não participaram na sua aprovação e terão agora de viver com isso, de uma forma que não é ainda consensual. Foi uma irresponsabilidade.
A pesada sensação de que, como indivíduos, não temos poder para mudar as coisas, destrói a confiança. A questão essencial da Liberdade sempre posta em causa por essa excessiva interferência do Estado na esfera pessoal, excessiva dependência de outros e falta de autonomia ou de oportunidades. O elevado número de jovens que emigram após a universidade ou os primeiros anos de profissão, para obterem uma vida melhor, deixa também a sensação de que há algo que falta, especialmente se o nosso país é tão atrativo para outros que trabalham remotamente e não pagam os mesmos impostos. Será justo haver sistemas fiscais de favorecimento dos que vêm ou dos que regressam, quando o mesmo sistema fiscal penaliza os que cá estão e ficam?
Há fortes dicotomias, entre o norte e o sul, entre o litoral e o interior, entre quem gira no mundo privado e de quem depende do Estado. Sempre haverá, mas deviam ser atenuadas, em vez de se agravarem. É justo uma legislação laboral diferente para funcionários públicos e funcionários privados? Porquê?
Quem acredita na meritocracia e no capitalismo tende a ficar na atividade empresarial e criar valor e, se tem mais ambição, procura uma carreira internacional. Estas pessoas tendem a valorizar muito pouco a discussão ideológica e a participação política.
Quem valoriza a ideologia fica perto da política e do Estado e tenta adquirir riqueza através de decretos e leis distributivas.
Há décadas que a deslocalização da produção para a Ásia criou grandes diferenças de crescimento entre países e o pouco crescimento da riqueza no ocidente não se traduziu em distribuição igual, provocando um excessivo foco na distribuição do que resta e não na criação de riqueza. Os nossos objetivos de crescimento económico são anémicos para nos guindar a um melhor patamar de nível de vida dos portugueses. Mas nada disto se discute suficientemente.
O crescimento das redes sociais criou um excesso de informação, tanto em velocidade como em diversidade, o que torna a sua interpretação difícil ou impossível, resultando numa valorização do encaminhamento de mensagens, como forma de participação, em vez do empenho em criar ou trabalhar informação. Há divulgação em demasia, sem filtro suficiente.
Os media, ao perderem a incumbência de serem veículos de informação, passaram a transmitir, quase permanentemente, opiniões. Colocam-se normalmente no centro do politicamente correto, tentando criar a “verdade”, não percebendo a fronteira entre informação e opinião, entre respeito pela diversidade e o insulto de quem não pensa da mesma maneira. Pior ainda, é perceber que grande parte desses meios de informação são subsidiados, direta ou indiretamente, pelo Estado. Será isso correcto? Penso que não.
Muitos dilemas permanecem sem resposta equilibrada:
- há excessivas migrações entre países fugindo da guerra, procurando mais riqueza, ou até ambientes legislativos mais de acordo com a sua filosofia de vida; mas podem os países recetores dar a resposta pretendida e resolver os problemas de todos os desfavorecidos estrangeiros que os procuram?
- a liberdade de expressão levada ao extremo, afasta as pessoas mais do que as aproxima, cria ilhas sociais e dificulta o diálogo e o consenso. Como “gerir” redes sociais, como “apoiar” os media tradicionais?
- será que o ensino primário e secundário não poderia ajudar os mais jovens a valorizar o respeito pelo próximo e a disciplina pelo bem comum, em vez do atual foco nas liberdades individuais? Será que o serviço cívico obrigatório não poderia também ajudar a inserção social, laboral e a contribuição para o bem comum?
- há uma preocupação excessiva, ou pessimismo, derivada da negatividade das “notícias” veiculadas? O mundo está melhor em algumas dimensões e pode melhorar ainda mais se for criado um ambiente positivo?
Também aqui submeto a minha conclusão
Sim. As lideranças podiam e deviam ter mais critério na prioridade do que discutem, do que afirmam e do que incentivam, pois só se cria um mundo melhor explicando-o, com tempo, vivendo-o e contribuindo para tal. Podemos dar como exemplo, de políticos que souberam fazer bem isso durante os seus respetivos tempos, Margaret Thatcher ou Mahatma Gandhi. É possível os líderes contribuírem para um mundo melhor pelo bom exemplo.
Por último deixem-me referir a política, parte central da nossa vida em comum. A política hoje, em Portugal, em vez de um pilar fundamental da solução, transformou-se num problema e preocupação para o país e os portugueses. Temos receio dos extremos, com razão, mas os extremos crescem. Crescem não só pelos partidos de extremos, mas também pelo extremismo dos próprios partidos tradicionais do sistema, nas suas prioridades, na sua tática, na sua atuação, e especialmente na sua linguagem e temas a que dão prioridade.
Temos dois partidos centrais que já funcionaram melhor em alternativa, com propostas distintas, mas que hoje se confundem. O Partido Socialista e o Partido Social Democrata. Mas ambos se dizem Sociais Democratas. Logo isso provoca uma questão fundamental para o eleitorado, qual escolher e porquê? Penso até que provoca clubismo. Eu sou Sá Carneiro, eu sou Mário Soares. Eu fui toda a vida de um deles. Eu fui toda a vida do outro. Ao ponto de o PS citar Sá Carneiro e o PSD citar Mário Soares.
Claro que em termos de oratória, tudo parece apropriado em cada momento, mas não é. Não é, porque provoca confusão e o eleitorado cansou-se dessa confusão. Quer alternativa. Quer escolher entre duas coisas diferentes e não entre duas coisas parecidas. Afinal o que é socialismo e quem é socialista? Afinal o que é a social-democracia? Desse cansaço ao centro, aparecem então novos partidos e mesmo assim o sistema não melhora. Continua precário. O atual sistema eleitoral não gerou uma liderança que nos dê alternativas melhores. Está a falhar.
Assim como o sistema económico pode melhorar, também o sistema político pode melhorar.
Estou convencido que a solução passa por um novo sistema eleitoral com enfoque em trazer as melhores pessoas para a política, a nível local e a nível nacional. Um sistema misto (círculos uninominais e círculo nacional de compensação), como previsto na Constituição desde 1997 e que os líderes partidários ainda não quiseram tornar realidade na Lei Eleitoral após quase 30 anos.
Temos hoje uma partidocracia e não uma democracia eficaz. O fim da ligação direta entre eleitos e eleitores, ou seja, a representatividade pessoal de cada eleito e o seu profundo conhecimento por quem o elege, tem potencial para acabar com a democracia aos poucos. Pelo desconhecimento pessoal de quem é eleito e as surpresas inaceitáveis a que temos presenciado, pela excessiva dependência da cúpula partidária e criação de dependentes da política e dos seus líderes. Temos de voltar à política feita pelos melhores, conhecidos e testados na sua área de trabalho.
É preciso dizer que há otimismo, porque temos uma verdadeira pérola que é o melhor país do mundo para viver, apesar de não termos o melhor país para trabalhar e criar riqueza.
É preciso dizer que há otimismo, porque sabemos que reformas temos de fazer para melhorar.
Apesar de tardarem os ajustes necessários ao melhor funcionamento da nossa Democracia, da nossa economia e da nossa vida em comum, é necessário manter a esperança de que a nossa sociedade se possa tornar (ainda) mais rica e forte.
Vamos a isso Portugal.
Gustavo M. Guimarães, economista e empresário