Papa em visita ao Iraque

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Em fevereiro e Março de 2019, o Papa Francisco visitou os Emirados Árabes Unidos e Marrocos, respectivamente, e chega hoje ao Iraque, na continuação de um périplo em prol do ecumenismo e da defesa das comunidades cristãs (católicos, caldeus, siro-católicos, não católicos, assírios e arménios) em terras do islão. Vai também cumprir uma vontade de um seu antecessor, João Paulo II, impedido por Saddam Hussein de aí se deslocar.

A agenda desta viagem não se esgota na dimensão cristã da coisa, já que Jorge Bergoglio será recebido pelo "papa xiita", o aiatola-mor Ali al-Sistani, em Najaf, onde o Imam Ali (o "Maomé xiita") se encontra sepultado. Após ter iniciado um diálogo assíduo com o Grande Imam da Mesquita de Al-Azhar, o egípcio Ahmad al-Tayyeb, o "papa sunita", o Papa Francisco passará a ter um dos números do telefone vermelho xiita e a poder jogar a influência abraâmica, sempre que estes primos islâmicos se desentendam, o que, aliás, é cíclico e de uma praxe idiossincrática.

Mais ainda, o xiismo de Najat não está alinhado com o de Qoom no Irão, provando que estes "heréticos", como o sunismo os considera, também não são um monólito, cuja brecha poderá fazer do actual Papa uma peça cardeal no grande xadrez do nuclear iraniano.

Ao abrir esta linha de contacto, o Vaticano está desde logo a tomar uma posição e ao escolher o "xiismo leigo" de Najat, rejeitando a concepção teocrática teorizada por Khomeini, menos aberta a ecumenismos e muito mais literalista. Trata-se também de valorizar uma rivalidade que ao nível da credibilidade tem gente respeitada em Najat que pode falar em nome dos xiitas e ser ouvida no Irão. Uma grande movimentação diplomática do Vaticano, sem dúvida, e que poderá também ter ecos na Síria, passados 10 anos de guerra e de diálogo falhado.

"Somos todos Irmãos" é o lema desta viagem, alertando logo à partida para um debate reservado que há muito grassa na região, um Médio Oriente exclusivo para muçulmanos, os quais obrigariam o êxodo de comunidades inteiras, para a concretização deste capricho. É esta uma preocupação de fundo também do Vaticano, não querer ver cristãos "despaísados" das origens do cristianismo.

Depois tem uma mensagem mais simples e singela para os radicais, a de que muçulmanos e muçulmanas podem vestir jeans à vontade, que não é por isso que perdem a religião ou a fé. É normal, o ecumenismo afinal também está nas vestes, no culto, nos modos e nos paladares.

Anseio pelo dia em que possamos responder, abraâmico, há questão, de que religião é?

Politólogo/arabista
www.maghreb-machrek.pt
Escreve de acordo com a antiga ortografia

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