Ouvir quem sofre com a pobreza para a erradicar
Uma mãe, francesa, descreve as dificuldades que enfrentou com os quatro filhos depois de ter perdido o emprego e ser despejada da casa onde moravam. Como moveu céus e terra em busca de um tecto sob o qual pudesse abrigar os filhos, passando por camaratas, quartos de residências e outras soluções precárias. Que, a dada altura, por ela já nem lhe importava onde dormia mas partia-lhe o coração ver as condições em que ficavam os seus filhos e, só por isso, não descansou até encontrar uma solução de habitação condigna.
Fala de desespero, de revolta, de quase desistência, do instinto das sobrevivências - da sua e daquelas que de si dependiam -, para concluir que o combate à pobreza é uma luta contra um tipo de injustiça que não pode ser normalizada. Afinal, se há tanto dinheiro no mundo, ele não pode estar tão acumulado nas mãos de uns, enquanto outros se vêem privados de qualquer conforto.
Uma outra mãe, portuguesa, relata dificuldades semelhantes depois de ela e o marido terem perdido o emprego quase em simultâneo. Acrescenta ao primeiro relato a angústia de pensar que lhe pudessem retirar os filhos por não garantir a crianças tão pequenas condições básicas para qualquer família, como habitação e alimentação adequadas. A possibilidade de ser duplamente penalizada pela situação de pobreza para que tinha sido atirada angustiava-a e revoltava-a sem que, no entanto, isso fosse suficiente para encontrar as soluções e o apoio de que precisava.
Estes são dois relatos de pessoas que, estando ou tendo estado em situação de pobreza, lhe fizeram frente e não querem ficar caladas. Pessoas que têm muito para contar sobre o “calvário” que foi parte da sua vida, mas que também têm outras coisas para dizer. Pessoas de quem também se ouvem soluções para que a pobreza seja prevenida e combatida, para que a riqueza esteja mais bem distribuída e as desigualdades não se agudizem, para que o conforto não seja um luxo e a dignidade não seja um conceito de que se fala apenas na vida da terceira pessoa do plural.
Estas pessoas tiveram voz na Cimeira das Pessoas, organizada pela Rede Europeia Anti-Pobreza/Portugal, no Porto. O tema em discussão era “A Estratégia Europeia de Combate à Pobreza - da intenção à acção” e elas tomaram da palavra ao lado e a par de representantes da Comissão Europeia (CE), do Parlamento Europeu (PE) e do Governo português, de entidades oficiais e organizações sociais que intervêm na área da pobreza.
A CE prometeu para o 1.º trimestre de 2026 a apresentação da referida Estratégia e o PE está já a preparar a sua posição sobre a matéria. Foi, aliás, por ter sido indicado como relator do PE para a Estratégia Europeia de Combate à Pobreza que tive oportunidade de participar naquela cimeira.
São muitas as lições humanas a retirar das palavras que ali foram ditas. E a primeira lição política para a estratégia também está dada: sem a participação das pessoas em situação de pobreza não há estratégia que a possa erradicar.
Eurodeputado
Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico