Aproxima-se a fase dos exames nacionais para milhares de alunos, o que, como sabemos, costuma ser um momento de grande ansiedade para os estudantes. Num contexto destes, penso que estaremos de acordo que seria de bom senso poupar os nossos filhos e alunos a desnecessárias tensões, para que possam concentrar-se no essencial: o estudo. Seria… se não vivêssemos no maravilhoso reino das burocracias, onde adicionar stress pela via de formalismos intrincados faz o deleite dos serviços da Administração Pública.Com provas para cumprir, a Matemática e a Português, nos dias finais de junho, a minha filha mais nova chegou esta semana a casa “preocupada com os exames”. Mas não era a matéria, nem o exame em si, o que a preocupava. Era, sim, um guia de 16 páginas com regulamentos que os alunos devem ter em consideração, e que a diretora de turma tinha passado uma aula inteira a ler. Mais: o guia foi enviado por e-mail para os pais, para ser lido em conjunto, em casa; e no dia da prova os alunos têm de apresentar-se meia hora antes para poderem ser lembrados, mais uma vez, de todo o desfile de regras, imposições e proibições que os deixarão seguramente com a tranquilidade necessária para o momento.Claro que deve haver um guia de orientações a transmitir: caneta preta ou azul, cartão de cidadão válido, uma calculadora de modelo X ou Y; ou… é proibido falar para o lado, trazer folhas de rascunho de casa, telemóvel ou smartwatch e outras recomendações do género.O que já não me parece normal é presentear alunos, pais e professores com uma espécie de manual inquisitório de 16 páginas repletas de procedimentos e regrinhas, formulados com requintes de extrema burocracia. Reparem no sadismo da coisa, versado, por exemplo, no ponto 4.13 alínea f), sobre o uso de calculadoras: “As escolas deverão solicitar, junto das marcas, os procedimentos específicos para colocar as máquinas calculadoras em modo de exame e adotar medidas organizativas para que no dia do exame os procedimentos de verificação das máquinas de calcular, de ativação da funcionalidade modo de exame e da limpeza da memória, caso se justifique, decorram com a celeridade e normalidade requeridas.”No total, são mais de 100 pontos, com várias alíneas pelo meio, num documento técnico e minucioso que, aos alunos, servirá apenas para os aterrorizar com medo de terem esquecido ou mal interpretado qualquer regra mais improvável. É mais um exemplo em que a burocracia ultrapassou a sua função de organizar e comunicar eficientemente para se tornar um obstáculo, num país onde os procedimentos, mais do que servirem um fim, parecem um fim em si mesmos.Por isso, quando oiço Luís Montenegro anunciar a guerra à burocracia do Estado como a prioridade deste seu novo mandato, só me ocorre murmurar um descrente “boa sorte”. Editor do Diário de Notícias