Os pais devem ser portos de abrigo e torres de vigia
A notícia de três jovens que terão violado uma rapariga, filmado e partilhado esse vídeo nas redes sociais é, em si mesma, muito assustadora. Saber que milhares de pessoas terão visto esse vídeo e nada fizeram, consegue ser ainda mais assustador.
A violação é um crime cometido, sobretudo, contra raparigas e mulheres e que ao longo dos últimos anos, em Portugal, tem evidenciado uma prevalência preocupante. Os dados provisórios dos serviços de segurança interna do nosso país, relativos a 2024, sugerem um aumento deste tipo de crime e, ainda, da violência praticada por jovens, e em grupo.
Em paralelo, muito se tem falado sobre uma série televisiva que retrata, também, a violência perpetrada por um jovem, aliada a ideias misóginas, e que nos obriga a pensar sobre os desafios da adolescência, a parentalidade, a empatia, os valores, o respeito pelo outro, a capacidade em regular as emoções… a realidade supera a ficção e desengane-se quem pensar que esta é “apenas” mais uma série.
Mas, o que se passa com os jovens que cometem este tipo de comportamentos? Estão os jovens de hoje menos empáticos e, consequentemente, mais agressivos? Em que medida podemos responsabilizar as redes sociais? E como equilibrar a supervisão parental com a privacidade e a autonomia de que os adolescentes precisam? E como podemos perceber a passividade de milhares de espectadores (tantos, já adultos) que terão visualizado um crime e nada fizeram?
Em primeiro lugar, importa referir que a adolescência é uma fase do desenvolvimento especialmente desafiante, em que a família é habitualmente desidealizada e quase tudo é questionado. Mas, antes da adolescência, existe a infância. O que significa que, se durante a infância os pais e cuidadores se mantiverem presentes, atentos e disponíveis, mais facilmente os canais de comunicação irão manter-se abertos – permitindo falar sobre os mais diversos assuntos, partilhar preocupações, sentimentos e desejos.
Sabemos que os pais vivem numa correria e que escasseia o tempo para estarem, realmente, com os filhos. Quer isto dizer que é fundamental aproveitar bem o tempo que se tem. Que seja, então, um tempo de qualidade, com diálogo e escuta, mais do que crítica e juízos de valor. Que seja um tempo em que se aprende a ser e a estar, e que os pais se recordem sempre de que os filhos aprendem, não tanto pelo que ouvem mas, acima de tudo, pelo que veem – o poder do exemplo.
Tantos pais que não conhecem os filhos… e tantos filhos que não conhecem os pais.
Ao mesmo tempo, não adianta diabolizar as redes sociais, os videojogos e a internet em geral. O mundo digital têm muitos aspetos positivos, desde que quem o use tenha a maturidade necessária para conseguir pensar sobre a informação a que acede e refletir de forma crítica sobre a mesma. Ou seja, é fundamental repensar a idade a partir da qual muitas crianças têm acesso a um smartphone e a todo um mundo de possibilidades que, desde logo, se abre à sua frente. Tantas vezes sem qualquer supervisão.
Por outro lado, deparamo-nos com uma sociedade tendencialmente passiva, que se limita a assistir e a nada fazer, acreditando que alguém fará alguma coisa. Falamos do chamado efeito de espectador, em que se observa uma difusão da responsabilidade, e sobre o qual já escrevi anteriormente. Não esquecendo que os adultos que hoje assumem este papel passivo foram já crianças e adolescentes.
Perante isto, diria que as crianças e os jovens precisam de pais e cuidadores “portos de abrigo” e “torres de vigia”. Ou seja, contentores, permitindo acolher sempre que é necessário. Em paralelo, atentos e vigilantes, ainda que à distância, para garantir a devida proteção e supervisão.
Psicóloga clínica e forense, terapeuta familiar e de casal