Os outros, a psicologia e os factos

Publicado a
Atualizado a

Há uns quatro anos quando estava a dar aulas numa universidade em Portugal com muitos alunos estrangeiros, deparei-me com uma sala de jovens cheios de certezas, cheios de privilégios e com pouca experiência de vida. Apesar da minha cadeira ser de Business Models for Sustainability, senti-me na obrigação de atribuir tempo para falarmos de democracia e de enviesamento cognitivo. Aqueles alunos estavam a assustar-me... tão novos e tão enviesados.

Comecei por pedir aos alunos para se observarem e encontrarem padrões na sala. Após algum tempo tornou-se evidente que os loiros estavam juntos num lado da sala, os latinos noutro, e os africanos e asiáticos ainda noutra zona. Expliquei-lhes que infelizmente “este enviesamento é natural para o cérebro humano sem treino”. O nosso cérebro ainda tem muitas características típicas de seres primitivos e animalescos que vivem na selva e que têm de se proteger das espécies que são diferentes, pois, se não o fizerem, são comidos e morrem.

É por isto que o nosso cérebro gosta de estar perto de “pessoas como nós”, de “casas como as nossas”, de “comida como a de casa”. Quantas pessoas conhecemos que dizem “não gosto dessa comida” sem nunca a terem experimentado? Este é um simples exemplo de como o nosso cérebro nos pode enganar face aos factos.

Na realidade, o nosso cérebro dá-nos muitas perceções erradas face aos factos, e nós não sabemos. Prova-se cientificamente que, de um modo geral, nós damos mais importância às coisas negativas que nos acontecem na vida do que as positivas. Veja-se um exemplo simples: quando demoramos muito tempo a estacionar o carro, ficamos furiosos e dizemos “é sempre assim... tenho um azar desgraçado”, e ficamos a pensar nisso durante vários minutos e até comentamos com as outras pessoas. Mas quando encontramos um lugar de estacionamento de forma fácil, não usamos tanto tempo para comemorar, e esquecemo-nos disso assim que saímos do carro.

O que acabei de descrever não são perceções. São factos. Experimentações cientificas comprovam e existem vários estudos sobre estes factos. Reforçar as perceções que não se baseiam em factos, mas em crenças, é um erro, uma injustiça e um perigo para os outros e para mim também.

Portugal está habituado à imigração africana devido ao nosso histórico de colonização, e que já conta com mais de 50 anos. Não estou a dizer que os Portugueses já conseguem não ser enviesados cognitivamente face aos Africanos em Portugal, estou apenas a dizer que o nosso cérebro já convive bem com o povo Africano em Portugal, porque já o vê nas ruas há mais de 50 anos.

Portugal ainda não está habituado à imigração asiática, que nos últimos anos entrou em Portugal. O nosso cérebro ainda responde de forma automática a esta diferença, fazendo surgir um sentimento de insegurança só porque as pessoas têm uma aparência diferente da nossa, têm hábitos diferentes dos nossos.

Não estou a dizer com isto que não sejam necessários programas de adaptação cultural para quem entra em Portugal (como também aconteceu há muitos anos quando os Portugueses entraram em França ou Suíça), sendo, isso sim, uma função do Estado. Estou apenas a dizer que o nosso cérebro ainda não convive bem com o povo asiático porque apenas o tem visto na rua mais recentemente.

Na realidade o nosso cérebro está tão enviesado cognitivamente face às pessoas que são diferentes “de nós”, que numa sondagem recente publicada pela Fundação Manuel dos Santos à população portuguesa, cerca de 62% dos inquiridos estavam convictos de que a população imigrante em Portugal era superior a 10% da população portuguesa, existindo 43% que pensavam que os imigrantes representam mais do que 20% da população portuguesa.

Esta é uma perigosa perceção que resulta na nossa psicologia, mas que necessita de ser confrontada com os factos: a imigração representa 10% da população portuguesa; e perto de metade da população pensa que é, pelo menos, o dobro.

Nem tudo o que percecionamos é realidade. E há muita perceção que é induzida pelo nosso enviesamento cognitivo, redes sociais e até pela política. Vivemos uma fase em que as nossas crenças e opiniões sem base científica parecem valer mais do que os factos. Chamaria a isso uma perigosa ignorância.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt