Os mitos e o aprendiz

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É inaceitável a hipocrisia de quem humilha, segrega e escorraça as pessoas imigrantes, elegendo-as como a fonte de todo o mal, e depois defende quotas e contingentes de trabalhadores, de forma utilitária, subjugados e explorados para mão de obra barata.

Usando para isso mitos que dão muito jeito a quem professa o discurso do ódio e do medo ou procura um bode expiatório para a insuficiência das (suas) políticas públicas.

Crise na habitação? “A culpa é dos imigrantes a mais”. Faltam vagas nas creches? “A culpa é das crianças das famílias imigrantes”. O Serviço Nacional de Saúde está saturado? “São as grávidas imigrantes que vêm para cá ter os filhos”.

Honestamente, a crise da Habitação, do SNS e a falta de creches não é de agora e já se adivinhava muito antes do aumento da imigração. É obrigação do Estado adaptar os serviços públicos à nova realidade, bem como investir para que estes serviços não falhem à população, seja qual for a sua proveniência.

Não ignoramos a situação crítica em que vive muita da população. Os trabalhadores portugueses têm mais em comum com um imigrante do que com um milionário português.

Outro mito: “As pessoas imigrantes não trabalham e têm acesso privilegiado a apoios sociais.” Em 2024, as suas contribuições atingiram 2.198 milhões de euros (o equivalente a meio milhão de pensões), contrastando com os 380 milhões de prestações sociais que receberam.

Falemos claro, as pessoas imigrantes são bem-vindas. São importantes para a economia, sim, mas não a qualquer preço. O que é determinante? Condições de trabalho e alojamento dignas, processos de regularização e documentação céleres, combatendo assim a ilegalidade e as redes de tráfico humano.

Em que momento enterramos a empatia? A solidariedade, a compaixão? Em que momento deixámos de questionar as vidas que estas pessoas deixaram para trás? Que famílias, que sonhos?

Não há pudor no discurso, não há vergonha na hipocrisia. O discurso sobre a imigração serve para esconder o falhanço nas políticas públicas e também tem preconceito de classe: quem é humilhada é a imigração pobre, vinda de contextos difíceis e em conflito e que, tal como nós, na década de 50 e 60, procura vida digna.

É alarmante ouvir um ministro em funções dizer “Caso não saiam a bem, sairão à força” e a AD a encetar uma nova etapa: apontar o dedo ao imigrante para caçar o eleitorado do CHEGA.

O PSD, vergonhosamente, faz de um processo administrativo uma bandeira de propaganda eleitoral, num timing curioso, e sem explicação para o indeferimento dos pedidos de regularização. O que diria o Governo se outros países fizessem o mesmo com os emigrantes portugueses!

O PSD deixou de ter voz própria. Desistiu de uma política social-democrata: na imigração, adota a agenda e a linguagem do CHEGA; em matéria de economia e fiscalidade, adota a agenda neoliberal da IL.

Como um bom aprendiz, a AD faz espelho de Trump. Não terá sido por acaso que Luís Montenegro adotou a analogia do MAGA (Make America Great Again) com a frase “Estou aqui para fazer as pessoas grandes” e desliza perigosamente para a extrema-direita. Veremos até que ponto.

Vereadora Independente, Cidadãos Por Lisboa, na CML

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